A mentalidade acima refletida é, pode-se dizer, outra face da unidade das cartas. Uma unidade espiritual. Constitui, talvez, um dos lados mais interessantes desses documentos. Data do período apaixonado que se seguiu à Independência uma certa atitude maniqueísta entre muitos historiadores brasileiros. As personalidades da época são julgadas e arrumadas em dois blocos: ou pró-Brasil ou anti-Brasil, bons e maus. Dos textos vivos e espontâneos destas cartas, ressaltam um mundo de nuanças e uma gama de sentimentos que comprovam a independência honesta e a pureza de intenções com que muitos procuraram soluções justas de compromisso, buscaram a conciliação. Nesta correspondência, os interlocutores de Luís Paulino funcionam como um espelho da sua concepção dos acontecimentos que, por certo, marcaram a sua ação nas Cortes Constituintes. Onde está o "traidor" A causa brasileira que a Junta baiana faz sair de Salvador em agosto de 1823? Onde está o "intrigante" que, em janeiro de 1824, o Congresso brasileiro expulsa e, indiretamente, condena à morte no alto mar? Essa visão da figura de Luís Paulino repete-se depois no Brasil, de historiador em historiador, embora os trave a vida heroica do personagem, enaltecida pelos historiadores portugueses. Quantas outras figuras continuarão injustamente interpretadas, como na sombra permanecerá todo um grupo social que, como a gente que escreve estas cartas, se esforçou por encontrar uma paz e uma unidade justa entre Portugal e o Brasil, embora bem consciente da progressiva degradação da situação provocada pela intolerância, incompreensão e excessos de um lado e de outro.
O grau de ligação com o Brasil marca o tom das diferentes posições familiares, que depois se traduziriam na escolha de destino. Bento, o filho mais velho, nascido e criado em Portugal, aí retorna; seu irmão Luís, nascido também em Portugal, mas educado na Bahia, adota o Brasil, como o mesmo fazem as suas irmãs, uma delas casada com um brasileiro da avant-garde da Independência baiana. Mas todos guardam a lucidez e se recusam a deixar-se dominar por paixões ou fanatismos. Por isso, coincidem os testemunhos que dão e julgamentos que emitem sobre os mesmos acontecimentos e até sobre as figuras políticas da época.
Bento e Luís, então com 26 e 22 anos, escrevem com o fogo da idade, mas num estilo deficiente, aquém dos primores da mãe ou do pai, vítimas que terão sido das convulsões sociais do seu tempo, que em muito cercearam as condições de educação da nova geração. Revelam-se bem diferentes um do outro. Bento, uma personalidade forte, corajoso, de uma retidão por vezes quase desumana,