pervagam as tribos, às grandes crises do alimento e a um memorativo gravado geneticamente, do tempo em que os primeiros homens viviam na promiscuidade com o animal.
O que a natureza produz é próprio ao homem, assim o entende o silvícola.
Os seus tabos alimentares são mágicos ou religiosos e não por entendimento de uma proibição por motivos de repelência orgânica.
Se devoramos todas as coisas vivas do mar, por que não pode o indígena devorar todas as coisas vivas da selva? Que é o nosso sofisticado "queijo bichado"? E o iogurte? E o abdômen da tanajura, formigão conhecido, enlatado nos Estados Unidos e vendido como raro acepipe?
E a sopa de cobra, muitas vezes prato delicioso para alguns civilizados da zona rural? E a carne de gambá, ratão comedor de ovos, afirmada pelos entendidos como repasto nobre?
Ninguém se aturde com a ostra, com toda a sua aparência de lesma. Aturdimo-nos, é claro, quando o indígena ingere vermes que a nós são repugnantes, mas não, evidentemente, a ele.
Cada povo com seu uso. Os profetas se alimentavam com gafanhotos e não há por que enjeitar o siri, sabidamente roedor de cadáveres, a trufa e outros cogumelos (orelha-de-pau entre os índios), sem falar no teredo (turu), de aspecto vermiforme.
Da mesma forma como os animais estão prontos a satisfazer a fome, os indígenas, sem noção do bom e do mau em matéria de paladar, por lhes faltar o requinte da civilização e da culinária, acham natural a sua vocação pantofágica. Porém, através do alimento, podemos levantar o véu de muitas cerimônias sagradas, de vários aspectos do magismo simbólico.
Os selvagens, nas suas relações homem-espírito, acreditam em entidades superiores que governam e defendem as espécies. Acreditam que almas de seus parentes estão asiladas em certos animais e estes são, portanto, intocáveis, quando reconhecidos pelos pajés. Por isso, outros bichos não servem de alimento em épocas ou em fases especiais do homem ou da mulher, justamente porque o espírito de um deles pode prejudicar o pai, a mãe ou filho.
Praticando a antropofagia (rito do herói), a geofagia, a biofagia (ingestão de substâncias vivas) a fitofagia e qualquer outro ramo da pantofagia, o selvagem sempre se considera em relação com um cerimonial de agrado, segurança, defesa ou respeito a fórmulas tradicionais de sobrevivência em meio adverso.
Suas instituições de alimentação, baseadas em permissões, proibições e atos sagratórios, arrolam, no mesmo processo de segurança coletiva, o suspeito e o insuspeito, o benfazejo e o demoníaco, o aceitável e o intocável.