A pantofagia ou as estranhas práticas alimentares na selva. Estudo na Região Amazônica

Os meninos magros e opilados avançam nos lodaçais:

"As caveirinhas patinavam na lama. Quando o sol as secava, pareciam que tinham os pés e as pernas de barro. Batiam neles com um pau, quebrando barro. As casas, só de reboco, mostravam as costelas vermelhas de barro. É quando chovia, debaixo das pontes, nas ruas e nos quintais, ficava aquele mar amarelo, de barro, que parecia baba, uma baba de goma, que chupava os pés e, logo que o calor soprava, endurecia, rachava, as gretas se enchiam de capim e a crosta, como cera, brilhava no mar seco. Uma orla de areia avançava para o lago, mas da orla para dentro tudo era barro puro".(3) Nota do Autor

Do barro lançam mãos todos os que vivem no Vale, como que reconhecendo a origem bíblica do homem. Nenhuma construção que fuja à madeira e à palha se ergue sem a concorrência argilosa. Um dos mais requestados utensílios domésticos é o pote: para a água, para os refrescos, para o vinho. O pote é como um animal sagrado: à sua roda, todos, diariamente, vão buscar, matando a sede, a inspiração para a continuidade do trabalho. É o pote é o barro na sua expressão mais humanamente simbólica, porque não só é reservatório d'água, como, mediante um bojo avantajado, pode, enterrado, servir de guarda perene aos restos mortais de parentes e chefes.

Para conhecer dos efeitos perigosos ou inofensivos da planta, da caça comestível ou de outras matérias naturais, é fácil concluir que o homem primitivo deve ter observado atentamente o comportamento do animal. Este deve ter sido para o íncola um êmulo dos provadores de vinho e alimentos dos reis, como fórmula de evitar possível envenenamento.

Nesta altura, é oportuno lembrar os peixes geófagos que abundam na Amazônia. De um deles, o matapi, foi tirado o nome de uma armadilha de pesca. O matapi é um silurídeo. É possível que, em algum tempo, grupos humanos manifestassem curiosidade em torno de animais que se alimentam de terra, eventualmente ou não, como os que, periodicamente, vão lamber a argila dos barreiros. Evidentemente não seria essa a mola das tendências geofágicas. É de observar, entretanto, o ambiente aluvional quaternário propício às formações argilosas, em estado puro ou incoerente.

No verão, todo esse depósito fofo se transforma em pátios e patamares de superfícies escuras e estriadas de verde. As gretas parecem enormes aranhóis e a vida do Vale se transfere para as praias. Mas, sacudidas pelo ricochete das enchentes, as estrias se transformam em canalículos a irrigar as calvas de lama ressequida.

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