A pantofagia ou as estranhas práticas alimentares na selva. Estudo na Região Amazônica

Há, para o caruru, várias denominações: cururé (Barão de Marajó), cururu (Amando Mendes), caareru (M. Pedro Massa), caré (Alfredo da Matta), carurá, caruré, caruru-das-pedras, uaupé-das-cachoeiras ou mururé-das-cachoeiras (Gastão Cruls). É a Mourera fluviatilis, de "folhas finamente recortadas, que flutuam na corrente", segundo Paul Le Cointe. Dessa mourera, a cinza é rica em sal comum misturado com cloreto de potássio; substitui o sal como condimento".(2) Nota do Autor

Le Cointe descreve: "Os índios secam a planta ao sol, queimam-na e lavam as cinzas com água; a lixívia, coada, é evaporada no fogo; o resíduo é um sal grosseiro que usam sem outra purificação".(3) Nota do Autor

O processo de utilização na comida seria, como vimos, o da secagem das folhas pelo fogo, com aproveitamento decoctado ou não das cinzas.

A importância do caruru se reflete na lenda, como no original nheengatu: "Kunhãmuku Kurupira Yrumo — Kaaruru Iypyrungau", ou seja, "A Moça e o Curupira — Princípio do Caruru":

"Havia, contam, uma moça que não era passeadeira. Seu pae e sua mãe estavam já cansados com ella por ella não querer sair de casa. A moça em casa trabalhava todo o dia, fiava tucum, algodão, miriti, batia rede, fazia rede, fazia sal, trabalhava em tudo. Um dia, contam, seu pae foi sózinho beber caxiri n'outro logar, ficaram sua mãe e seus irmãos. Já de noite, contam, elles estavam conversando, a velha ahi saiu à porta, disse: "Quem me dera agora comer caruru, minha boca é deveras água só de me lembrar". Certamente, parece, Curupira só estava de fóra ouvindo, porque foi logo para o matto buscar caruru. Quando chegou no meio do matto elle fez um panacu, depois tirou cabelo do meio da cabeça, metteu dentro d'elle. Voltou logo, chegou à porta da casa, disse: — Eis aqui já caruru, has de comer, só d'elle te has de lembrar então. A velha pegou no panacu, disse: — Quem então és tu para saber tão bem o que meu coração pede? Do meio da noite grande, contam, Curupira respondeu: — Eu mesmo. A velha foi logo cozinhando, comer com as creanças, só aquela moça não quiz por estar enluada".(4) Nota do Autor

O caruru é também uma planta que no Norte, com esse nome, participa das culturas das hortas e é verdura usada como outra qualquer. Porém é bom observar que a moça da lenda (Kunhãmuku), entre seus afazeres, fazia sal. Logo, torrava ou decoctava folhas de plantas salinosas, entre as quais se inclui o caruru-das-cachoeiras. A velha, ao desejar caruru, tão raro que o Curupira teve que obtê-lo através de mágica, deveria querer saborear planta com resíduos salínicos, obtidos tão só do caruru-das-cachoeiras. Tanto assim que, na

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