2. A geofagia na Amazônia
Ao permanecermos mais de um ano em uma região do rio Solimões (Coari), pudemos observar não só a ocorrência dos barreiros e a dos moles de tabatinga, como as manifestações geofágicas.
Os comedores de terra não tinham finuras no paladar: roíam telhas, tijolos ou a argamassa saibrosa dos rebocos. Os meninos eram as maiores vítimas: opilados, pálidos. Martius se refere a um indiozinho doente do baço e do fígado e com febres intermitentes:
"(...)Foi difícil curá-lo, devido ao hábito quasi invencível de comer terra, argila cosida, cera e outras substâncias parecidas. Muitas crianças do alto-Amazonas têm esse estranho costume, não só os índios, como brancos e negros. Não é, portanto, peculiar aos famosos Otomac do Orenoco, descritos por Humboldt, ou mesmo aos índios, e parece originar-se de fome mórbida e insaciável, resultado de dieta insuficiente de peixe, frutos silvestres e farinha de mandioca."(3) Nota do Autor
É acrescenta: "Sabe-se hoje que este apetite depravado é um dos sintomas da ancilostomose".
O ouvidor Sampaio diz que a nação dos Otomac era uma das mais famosas do Orenoco e levava suas mulheres à guerra: "O ofício destas he aproveitar as frechas, que os inimigos disparão e errão, as quaes entregão aos seus para novamente as lançarem aos inimigos."(4) Nota do Autor
Como diz Martius, o vício se estendia às cidades, até como divertimento infantil: armavam-se fornos de terra molhada e sob eles se colocavam "bolos" de terra, os quais eram provados pela meninada.
É possível que os comedores de barro fossem acometidos pela ancilostomíase, doença provocada por um parasito intestinal e que perfura a mucosa para alimentar-se com o sangue da víscera. A verdade, porém, é que não se pode atribuir ao ancilóstomo tão danoso costume. Fome mórbida, fome periódica, em virtude de crises de alimento, desnutrição crônica, exigência de alimentos salobros, imitação