A pantofagia ou as estranhas práticas alimentares na selva. Estudo na Região Amazônica

de animais lambedores de barreiros, irresistível necessidade de variar ante um regime quase único de peixe e mandioca, são superveniências que podem justificar o devotamento de tribos inteiras ao estranho regalo.

Uma herança confrangedora de insaciabilidade, às vezes quase histérica, assalta os ctonófagos. É como se o Vale quisesse modelar em barro suas famintas e desesperadas figuras humanas. Por isso já não espanta que o cientista registre:

"(...) como acompanhamento dos pratos de mandioca e de peixe, nunca vimos comer-se outra coisa senão argila plástica, cinza-esverdeada, que forma, ao que parece, novos núcleos e depósitos por cima e entre as camadas tão belamente coloridas."(5) Nota do Autor

Seria a argila um substitutivo da farinha, nos lugares onde a fécula não era explorada? Seria possível juntar a farinha granulosa à sílica? Mas é sabido que, na época do Descobrimento, a indiada sedentária se dedicava a extensas plantações de mandioca. É, no caso especial referenciado, não nos defrontamos apenas com indígenas, porém com mamelucos já compenetrados de certo grau civilizador. Não se trata, pois, de um vício entranhadamente florestal, mas também de forte projeção ribeirinha.

Talvez se trate de costume hereditário, porque a própria mitologia amazônica (como veremos adiante) se encarrega de fixar o fato.

Recorrendo à etimologia da língua geral, encontramos as duas definições que abrem caminho à explicação para o primeiro impulso de atração gustativa do barro. O índio amazônico chama ao barreiro de itá-ceen (pedra doce) ou de itá-iukira (pedra salgada).

Portanto, a pedra dispõe de um gosto particular, distinto, talvez mesmo exoticamente sedutor. Para devoradores de cobra, de formiga, de vermes, de piolhos, de carne apodrecida em condições especiais, não seria de espantar que encontrassem, também no barro, delícias gustativas suplementares. Leve-se em conta que, organicamente, o paladar pode alterar-se, conforme as condições de vida, ambiente e tradição dos grupos humanos. Ainda mais: o paladar do civilizador urbano, por exemplo, sofre modificações constantes e se torna, por, vezes, sofisticado, perdendo contato com as substâncias fornecidas pela natureza bruta.

A fome foi uma das molas que levou o indígena às fontes "adocicadas" dos barreiros. É provável que haja pastas argilosas mais leves e mais brandas ao paladar, ao ponto de adoçar a boca. Mesmo porque há certas preferências entre os geófagos, como pela argila cinza-esverdeada, que lhe aumenta o valor.

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