As Minas Gerais e os primórdios do Caraça

Faltava-nos e falta — por quanto tempo? — alguma pesquisa que conduzisse os historiadores seculares a bem apreender o que todos vagamente discernem sobre o papel formidável que às instituições religiosas coube exercer nos setores mais vários da vida brasileira, desde os inícios da colonização. É certo que mesmo essa pesquisa, para começar, haveria de ser forçosamente fragmentária. Pouco importa, uma vez que orientasse de algum modo para o âmago da questão. Quantos historiadores, até hoje, cuidaram de retirar todo o proveito que, para o melhor conhecimento da sociedade colonial brasileira, e não apenas de nossos velhos institutos religiosos, se oferece, por exemplo, com as preciosas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas por Sebastião Monteiro da Vide e impressas em Lisboa já em 1717? Ou ainda com o Regimento do Auditório Eclesiástico, ordenado igualmente por aquele arcebispo? Isso para só falar em obras publicadas.

No que respeita aos tópicos mais precisamente jurídicos, os trabalhos notáveis de um Cândido Mendes de Almeida, velhos, porém, de um século, formam quase exceção. Valeria a pena retomá-los e renová-los com o socorro de métodos e recursos modernos? Sim, contanto que se tivessem sempre em mira os riscos que, para a boa interpretação do passado, têm sido mais de uma vez apontados no crédito irrestrito dado aos textos legais. A história eclesiástica, como toda história, sustenta-se sobre uma realidade viva e fluida, que a todo instante transborda da rigidez dos preceitos jurídicos. Mormente em terras como as da nossa América lusitana, onde não era caso escandaloso o daquele procurador da Câmara de São Paulo que requeria em 1630 fosse obedecida certa provisão, por emanar do governador-geral, mas sustada sua execução por contrariar os interesses do povo. O "obedezco pero no lo cumplo" não foi monopólio das chamadas Índias de Castela.

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