Ensaios de etnologia brasileira

a cabeça ao bari, e não são raras as vezes em que se esquecem disso, de sorte que a cabeça apodrece e é deitada fora. Em tempos passados, no caso de necessidade, o bari podia tornar comestível até o veado por meio de exorcismos. Hoje, em caso extremo, alguns, sem auxílio do bari, arriscam-se a comer esta carne temida que, como dissemos, em geral se evita. Dizem que antigamente todos os bari comeram gente da sua tribo, tendo sido o medo grande demais para persegui-los por causa disso. Hoje, um bari não teria mais coragem de mostrar um apetite de tal espécie. Em 1934, os Bororo me contaram que em Yarudori, aldeia na confluência do Rio São João com o Rio Vermelho, mora um velho bari de nome Yoku-kawore (olho verde) que come gente, velhos e moços, homens e mulheres, Bororo e brancos. De noite entra num dos companheiros de tribo, sem que este o perceba; então, o possuído do bari fica doente e morre, e Yoku-kawore come o cadáver. Aos brancos diz bom dia à maneira deles, apertando-lhes firmemente a mão; os brancos morrem em consequência disso e são devorados por ele. Em setembro de 1936 recebi a notícia de que os habitantes de Yarudori mataram o seu bari.

A imagem do mundo dos Bororo nas missões representa, ao lado dos conceitos herdados cuja intensidade, em parte, é enfraquecida pelo novo modo de vida, os conceitos estranhos e recém-importados que, é verdade, essa gente respeita mais ou menos, não podendo, porém, incorporá-los ao ponto de se tornarem substanciais.

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