Selvagens amáveis - Um antropologista entre os índios Urubus do Brasil

É que a memória de Antônio-hu, como a de todos os índios, funcionava melhor ao versar sobre um caso particular, do que abstratamente.

Após mais ou menos um mês, entretanto, comecei a sentir certa confusão mental, a ter dificuldade em descobrir assuntos para Antônio-hu falar. Ele também principiou a sentir-se letárgico, porque, durante todo esse tempo, abandonara a caça, só saindo, normalmente, comigo, para matar macacos com minha arma de calibre 22. Queixava-se de dores nos braços e pernas, cabeça, mal-estar geral, insistindo comigo para que lhe desse injeções nas coxas, braços, têmporas, nádegas, cintura, em todo o corpo. Em vez disso, dei-lhe aspirinas e disse-lhe que fosse caçar tapir para nós. Respondeu-me sentir-se muito fraco para isso. Tornou-se mesmo mal-humorado e, como me parecesse haver ouvido histórias suficientes, decidi que podia ir-me embora.

A ideia de partir entristeceu-me tanto quanto a Antônio-hu, pois nos havíamos tornado grandes amigos, fazendo juntos as refeições, pormenor a que ele dava muita importância. Certa manhã, quando estava atarefadíssimo em minhas notas, Chico serviu, um pouco mais cedo, o lanche. Antônio-hu sentiu-se magoadíssimo porque não abandonei imediatamente o trabalho para comer com ele.

"Se você não vier comer comigo" - disse - "nunca mais comerei a carne de suas latas com você".

Desculpei-me e, apressadamente, reuni-me a ele. Posteriormente, nesse mesmo dia, ofendi-o de novo. Sua filha Ari - menina atraente de treze ou catorze anos, com seios já formados e sorriso malévolo trouxe-nos o usual chibé da tarde, num pote. Antônio-hu logo se serviu de uma cuia. Levou-a aos lábios e, repentinamente disse, pondo o chibé em cima dos joelhos, sem mesmo o provar:

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