A Idade de Ouro do Brasil; dores de crescimento de uma sociedade colonial

o estivessem, e mandando chamar o confessor, se o caso fosse muito grave.

A disciplina era mantida com uma severidade que muitas vezes degenerava em perversidade sádica, no que se refere à aplicação de castigos corporais: "pois por pouco mais de nada chegaram alguns [senhores de engenho] a lançar vivos nas fornalhas os seus escravos e a tirar-lhes por vários modos, bárbaros e inumanos, a vida"(15) Nota do Autor. Esses excessos sadísticos eram, naturalmente, evitados em fazendas melhor dirigidas, "onde o castigo que se fizer ao escravo, nam hade ser com pau nem tirarlhe com pedras nem tejollos, e quando o merecer, o mandará botar sobre hum carro, e dar se lhe ha com hum assoite seu castigo, e depois de bem assoitado, o mandará picar com navalha ou faca que corte bem, he darlheha com sal, sumno de limão e orina e o meterá alguns dias na corrente, e sendo femea, será assoitada a guisa de bayona dentro em hua caza e com o mesmo assoite"(16) Nota do Autor. Talvez seja desnecessário acrescentar que o mau trato dado aos escravos não ficava adstrito aos senhores portugueses. O viajante francês, Froger, que visitou a Bahia em 1696 e descreveu as crueldades ali infligidas aos escravos, acrescenta, realmente: "Embora tudo isso seja bastante mau, o tratamento que lhes dão os espanhóis e os ingleses ainda é mais cruel".

O tratamento - ou mau trato - dado aos escravos variava, como é natural, de acordo com o caráter do senhor e com a extensão da vigilância exercida pelo feitor - sendo esses feitores, muitas vezes, mulatos disciplinadores e brutais. Quando o senhor era humano, e onde recebiam roupas e alimentação adequadas, os escravos constituíam famílias e levavam uma existência que talvez não fosse muito pior do que a das classes trabalhadoras em muitos países da Europa da época. As crianças escravas, criadas em tais fazendas, sendo vendidas, quando adultos, a senhores mais rudes, frequentemente definhavam, morriam ou fugiam. Onde o senhor se mostrava sadisticamente brutal, os escravos desertavam sempre que podiam, ou suicidavam-se. No caso das mulheres, preferiam provocar abortos em si próprias do que criar filhos em condições tais.

É discutível isso de serem os senhores de escravos, em sua maioria, humanos ou desumanos, mas, casos de desenfreada crueldade foram bastante frequentes não só para inspirar as censuras de homens como Vieira, Benci, Antonil e Marques Pereira, mas para despertar, de certa forma retardada, a consciência da Coroa. Escrevendo ao governador-geral da Bahia, em fevereiro de 1698, o rei

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