Sobrados e mucambos

lama defronte das casas com caliça, areia, osso queimado. Obrigados a conservar o mesmo alinhamento nos passeios e calçadas, acabando-se com os constantes degraus e batentes de uma calçada para outra, cada proprietário não fazendo senão sua vontade nem atendendo senão aos interesses de sua casa.

E, por sua vez, a rua foi se desforrando do antigo domínio absoluto da "casa nobre", da "casa grande", do sobrado. O moleque - expressão mais viva da rua brasileira - foi se exagerando no desrespeito pela casa. Emporcalhando os muros e as paredes com seus calungas às vezes obscenos. Mijando e defecando ao pé de portões ilustres e até pelos corredores dos sobrados, no patamar das escadas velhas.

Mas mesmo desprestigiada pela rua e diminuída nas funções patriarcais (que manteve até no centro de algumas cidades); diminuída pela matriz, pela catedral, pela fábrica, pelo colégio, pelo hotel, pelo laboratório, pela botica - a casa do século XIX continuou a influir, como nenhuma dessas forças, sobre a formação social do brasileiro de cidade. O sobrado, mais europeu, formando um tipo, o mocambo mais africano, formando outro tipo de homem. E a rua, a praça, a festa de igreja, o mercado, a escola, o carnaval, todas essas facilidades de comunicação entre as classes e de cruzamento entre as raças; foram atenuando os antagonismos de classe e de raça e formando uma média, um meio-termo, uma contemporização mais verdadeiramente brasileira de estilos de vida, de padrões de cultura e de expressão física e psicológica de povo.

O "sobrado de esquina" ou "com a porta para a rua" representa o máximo de aproximação entre o patriarcalismo em declínio e a rua já triunfal. O fim da fase de grande distância, de distância quase profilática entre os dois; de urupemas em vez de vidraça nas janelas; de muros e cercas de espinho separando a casa, da rua. No

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