Aos vinte, todo fogo e ousadia,
É um tição ardendo num brasido,
Uma torrente em jorro que ameaça,
Oceano que brame com rugido;
Um garanhão a farejar a egua,
Um leão pronto sempre a devorar;
Um glotão, um canibal terrivel,
Uma garça a querer tudo extripar.
Aos trinta é um ligeiro cão de raça,
Um caçador mui dextro e mui machucho,
Capaz de encurralar uma caçada
Sem estragar polvora nem cartucho;
Passareiro senhor das armadilhas
Que sob as saias amor soe esconder,
É um Vauban que sabe pôr um cerco
E as torres e os castelos abater.
Toda essa furia vai-se aos quarenta anos
Por muito haver a mola trabalhado;
Pouco mais tarde é um corcel de raça
Que reclama bom trato, e ser poupado.
É um poste que serve de limite
Dum bom passado para um triste porvir;
É um banqueiro prestes a quebrar,
A que vem um velho credito acudir.
Aos cinquenta é já fruto sazonado
Que o menor sopro abala e faz cair;
É um filho das margens do Garona,
Que mais promete do que pode cumprir.
É um caniço que o tufão enverga
Uma espiga que uma ave faz pender;
É a triste miragem do passado,
O sol que vai fugindo a se esconder.
Aos sessenta é um fantasma, um silfo
Que a vista pode apenas enxergar;
Dez anos mais um átomo ligeiro
Um som perdido dificil de apanhar.
Aos oitenta é o traço que voando
Deixa a carriça sumindo-se nos Céus;
Aos cem anos somente alva que passa
Para no gremio repousar de Deus."