O rei filósofo: vida de D. Pedro II

o principezinho o visconde da Cunha, mordomo-mor da Imperatriz.

Chovia lá fora, o que obstara a cerimônia externa, pelo tablado em diagonal, que servira à coroação de D. João VI, ao batizado de D. Maria da Gloria. Foguetes estouravam no ar. As salvas das fortalezas e dos navios abalaram a cidade. Apresentava D. Pedro I um triunfante sorriso. No coro se cantou uma partitura composta pelo Imperador; nos seus belos dias, só se sentia perfeitamente contente se o aplaudiam também, como maestro. Enquanto o bispo D. José Caetano oficiava o longo Te Deum, dormiu a criança num artístico leito armado ao lado da capela-mor. O incenso, os psalmos, a penumbra, o ar abafado, o cantochão, ninaram-no como se fosse um quente regaço de ama. A princesa do Grão-Pará, D. Maria da Gloria, que respondeu pelo irmão as palavras do ritual, parecia uma nobre mulherzinha de cabeça erguida, o penteado francês envolvendo-a em cintilações de tranças d'oiro puro, muito direita e séria no seu papel oficial. Os diplomatas de calção, peitos constelados de comendas, os generais, com as medalhas da Cisplatina e da Independência, os cônegos de capas roxas, as damas de mantos esmeralda e ramagens de prata, os grandes do Império, com as cruzes de Cristo sangrando ao pescoço - formavam um confuso fundo de quadro, um luminoso cenário de prosápias, hierarquias e dignidades, chamejante tumulto que cercava, no berço protegido pelo fumo dos turíbulos, o menino adormecido.

E que nome comprido lhe chamou D. José Caetano, com a mitra cravejada de pedraria faiscando sobre os cabelos brancos: D. Pedro de Alcântara João Carlos

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