O rei filósofo: vida de D. Pedro II

homem somente, como D. Pedro I, sua antítese. A inteligência, o espírito, o coração, palpitaram-lhe dentro dos regulamentos, nas pautas do rigoroso regímen que engaiolara ali a pequena ave cativa. Que de admirar, portanto, fosse na idade madura um sábio sem imaginação criadora, um soberano sem inquietações grandiosas, um homem sem tumultos sentimentais, monarca quase sem corte, de muitos serviçais e poucos amigos, sem íntimos, sem confidentes, sem segredos, imagem plácida do dever - e da dignidade?... A culpa era da nação, que o perfilhara. E daquele bom marquês, que via em torno do pupilo os fantasmas dos avós absolutistas, e jurara fazê-lo - plástico barro nas suas mãos virtuosas - o antípoda dos Cesares! Milagre da persistência de um traço avoengo, só o instinto de sua jerarquia não se lhe apagou, naquele esforço metódico por baixar o menino dos perigos de sua situação para as realidades de um mundo burguês e banal. D. Pedro II sempre foi imperial - na compostura, um tanto fria, dos seus modos, na incapacidade de transformar em amizades indiscretas as afeições que o rodeavam, numa altivez inata, que, com o tempo, revestido de álgida majestade o sentimentalismo subjugado pela educação espartana, lhe daria a tranquilidade e o equilíbrio dos que nada fazem por impulso e paixão.

O primeiro mestre foi o francês Luiz Aleixo Boulanger, hábil desenhista, cuja paciência profissional - de iluminista de brasões, de genealogista exato - lhe emprestava as maneiras de um frade bento. Encarregara-se da caligrafia, das primeiras letras e de alguma geografia. Os outros eram o reverendo Boiret, emigrado francês de 89, envelhecido a ensinar a sua língua a jovens fidalgos portugueses, o primeiro a pôr-lhe na mão a pena, com que garatujasse o nome; o pintor

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