as cenas amargas e os conflitos, que resvalavam periodicamente da alcova para a rua, precederam ao nascimento de D. Pedro.
Já era D. João regente há sete anos, em virtude da interdição da rainha, doida de todo. Carlota alargara à cobiça o pano dos seus sonhos. Estranhos perigos rondavam aquela coroa, que tinha passado das mãos trêmulas de uma demente, embaraçadas nas camândulas, para as mãos fofas de um gastrônomo. O xadrez da Europa fora sacudido pela rajada da Revolução que lhe confundira as pedras, desnorteara o velho jogo político de Luiz XIV e de Frederico. A Espanha receava a França e Portugal receava a Espanha. A Inglaterra, com as baterias acesas, hostilizava a França, que batia a Áustria na Itália. Raiara uma aurora sangrenta de invasões e anexações. Improvisavam-se conquistadores. Bonaparte surgira, projetando no continente o sonho de Alexandre. As fronteiras nacionais eram riscos na areia, apagados pelas ondas da violência a quebrarem nas arestas das monarquias. A necessidade de combater a Revolução aliara os reis: um conluio de lobos contra os magros campos de política. Fazia-se guerra à Liberdade. Era muito mais rude, porém, nas cidades, onde a polícia, de bengalão debaixo do braço, espiava os maçons, do que nos campos de batalha onde os exércitos se arrasavam. Em Portugal a polícia, criando novos órgãos, tornara-se uma instituição essencial: a partir de 1792 foi a principal Repartição do Estado. Era uma polícia bastarda meio eclesiástica, meio militar,