inútil, na sua pasmada inércia, a marinha apodrecia nos portos com as altas quilhas da Índia varadas na lama de Belém, e os diplomatas de Portugal compravam o sossego e a paz do soberano com mãos cheias de diamantes brasileiros. Desorganizara-se a máquina administrativa que Pombal montara; o regente não podia opor-se à Espanha, quiçá aparelhar-se contra os franceses, menos resistir à Inglaterra, fiel e zelosa aliada. Realmente só um homem mandava em Portugal - o intendente de polícia. Conspirava-se, entretanto, nos paços, nos conventos, nos quartéis, e jacobinos, lidos em livros franceses, suspiravam por Napoleão. A fé abalara-se, com a corrupção da aristocracia; empalidecera o culto divino; o teatro, com as cômicas e os castrati, tudo invadira. Carlota Joaquina, mais seca, mais amarga, dominara esse crepúsculo de um rigímen com o perfil de virago.
D. Pedro, todavia, não se pareceu com os infantes tolhidos e anêmicos que, por último, deslizavam pelas galerias de Queluz a tristeza natural. Era um desordenado e rijo menino que lembrava aos aios a mocidade de D. Pedro de Bragança. Corado, com o sangue a rebentar nas faces, muito crescido para a idade, o farto cabelo ruivo encaracolando sobre a testa, levemente deprimida nas fontes, os lábios grossos do pai, os olhos vivos da mãe, um robusto braço plebeu, que D. Pedro II devia ter, para derrubar touros em picadeiro - desabrochou como uma carnuda e pura flor de raça. D. João mirava-se nele com enternecido orgulho, complacente: