justificava a rejeição pelo governo de padrões reconhecidos de moralidade e, neste sentido, Frederico, o Grande, e Bismarck são os herdeiros modernos de Maquiavel, tomados como exemplos por Meinecke.
As doutrinas de Maquiavel são um desafio às regras de conduta que a Igreja e, primitivamente, os pensadores da Antiguidade proclamaram ser universais. Na verdade, o que Maquiavel estava formulando já estava sendo praticado na sua época, tão paradoxal que um Alexandre VI pôde tornar-se Papa. As regras da conduta cristã tinham sido rompidas, mas tal quebra era regularmente reconhecida como pecaminosa. O conselho de Maquiavel e de seus sucessores era o de que essas regras só deveriam ser usadas quando servissem ao dominador; elas estariam ligadas unicamente às leis da segurança e da preservação do seu próprio Estado.
Seria errôneo ver no pensamento de Maquiavel e de seus sucessores simplesmente a negação brutal e niilista de todos os valores. Ele acreditava que seus conselhos poderiam servir à regeneração da Itália. Mas a doutrina ensinava que todos os meios eram justificados para preservar o Estado, sem estabelecer a que fins o Estado deveria servir.
Nos próprios dias de Maquiavel e nos séculos seguintes, a ideia da razão de Estado foi um desafio às doutrinas da justiça e da moralidade universal pelas quais sempre lutara a Igreja Católica. Foi também um desafio à ideia da ordem internacional baseada nos ideais cristãos de justiça e nos princípios do Direito Natural.
A doutrina teve de enfrentar, no século XVIII, outro corpo de ideias e tensões ainda maiores devidas à incompatibilidade entre a política do poder e a doutrina cristã.
Daí em diante o conflito entre as necessidades práticas do Estado e a crença no progresso universal da humanidade se manteve através de várias vicissitudes. A estrutura orgânica do Estado continuou a crescer com um poder total, que se viu exemplificado sobretudo na época contemporânea nos Estados autoritários, nazistas, soviéticos e militares. Com ele cresceu também uma tradição anarquista que declarou com insistência que o Estado era o responsável pela corrupção do homem e que somente com a destruição do Estado se poderia chegar a fazer emergir uma sociedade de homens virtuosos.
Os conservadores nunca chegaram a nenhum desses excessos que a razão de Estado, na versão maquiavélica, sugeria e fez nascer. Mas eles acreditaram sempre na razão de Estado, na necessidade de assegurar o statu quo, com modificações mínimas e lentas, e que entre o Estado existente e a revolução deveriam sempre defender o primeiro e esmagar a segunda. Consequentemente, os historiadores conservadores defenderam sempre as ações dos governos, as razões de Estado, as minorias dominantes e a dominação, os líderes, tudo, enfim, que representasse os interesses da ordem vigente.
Ao defenderem o uso de todos os instrumentos legais ou ilegais na defesa do Estado, ligaram-se ao maquiavelismo, embora não tenham evitado ou tentado