A memorável nota de João Francisco Lisboa "Sobre a escravidão e a história geral do Brasil" de Varnhagen(24) Nota do Autor não somente o reprova como restabelece na historiografia brasileira a linha generosa do pensamento liberal brasileiro em relação aos índios, imolados e exterminados pelos colonos portugueses, e estes por ele louvados.
Muitas vezes é tal a aversão de Varnhagen às populações brasileiras das camadas sociais mais baixas e modestas, que trechos de sua História se convertem em noticiário de ocorrências policiais, o que não é muito estranho à nossa historiografia menos qualificada.
Preconceitos políticos, sociais, religiosos se revelam sempre, especialmente no julgamento das figuras e no tratamento dos inconformismos. Na sua História geral do futuro Visconde de Porto Seguro se destacam as chaves do nosso processo evolutivo, não só a colonização espoliativa, como o terror, o juridicismo e a escravidão com que foram submetidas as maiorias brasileiras.
Faltava-lhe, como observou Capistrano de Abreu, o espírito compreensivo e simpático que o tornasse contemporâneo e confidente dos homens e dos acontecimentos. É verdade que a segunda edição - que serviu de base à terceira integral - revela, neste aspecto, um avanço considerável. Os capítulos sobre a Conjuração Mineira e a Revolução de 1817 sofreram retoques importantes. Naturalmente, Varnhagen sentiu-se à vontade ao rever sua exposição sobre as rebeldias de gente qualificada como a da Conjuração e a de 1817, mas não as outras, as dos índios e negros, ou de gente miúda, como a dos sapateiros, na Bahia, em 1798, cujos movimentos lhe faziam tremer a mão de indignação.
Na primeira edição de sua História geral, Varnhagen chamara Tiradentes de insignificante e indiscreto, a que o martírio do patíbulo conferira méritos que não tinha, e restringiu-lhe a glória de primeira tentativa de Independência, que fora obra de patrícios ilustres e de vários indivíduos de letras e ciência. Na segunda edição melhorou o tratamento de Tiradentes, de quem aliás transcreve aquele trecho condenatório do colonialismo espoliativo, no qual se diz "porque poderia assim suceder que esta terra se fizesse uma República e ficasse livre dos governos que só vêm cá ensopar-se com riquezas".(25) Nota do Autor E mais, retirou o trecho depreciativo de Tiradentes no suplício, mas continuou a chamar de piedosa àquela rainha [D. Maria] de execrável memória.
Sobre a Revolução de 1817, ele pede ao leitor que decida em consciência se lhe parece haveria motivos para que se intentasse uma revolução contra o benéfico D. João VI e declara ser um assunto para seu ânimo tão pouco simpático que, se lhe fora permitido passar sobre ele um véu, deixá-lo-ia fora do quadro