História da História do Brasil, 1ª parte: Historiografia colonial

maio, exceto o dia 29, quando deve ter estado ocupado com Cabral no navio de mantimentos, que voltaria vazio, levando a carta para dar a notícia da descoberta.

Ela narra a descoberta, a ancoragem, a primeira visita, o encontro com os indígenas e a impossibilidade de entendimento em face da barreira da língua. "A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto". Desde logo distinguiu-se para os contatos "Diogo Dias, almoxarife, que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita". O objetivo era amansá-los, mas os índios se esquivavam; faziam troca de arcos por qualquer coisa e alguns portugueses já "estavam com moças e mulheres".

Já a 28 de abril, alguns dos índios, cerca de duzentos, misturados com os portugueses, começaram a ajudar a carregar lenha e a metê-la nos batéis. Desde então, alguns "bem agasalhados, assim de vianda, como de cama", outros servindo como pajens e outros ainda ajudando no trabalho, Caminha sente que a domesticação começa a se revelar com uma semana de contatos. "Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles".

O desejo de dizer a verdade e só a verdade, sem aformoseá-la ou afeá-la, com objetividade e exatidão, é afirmado de início: "Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu"(1). Nota do Autor

Como primeira crônica oficial ou semioficial do nascimento do Brasil, escrita à beira da terra, a Carta é fundamental, rica de reflexões sobre a gente e seus costumes. Caminha foi o primeiro a ver bem nítida a possibilidade da cristianização e europeização daquela gente. "Se os degredados", diz ele, "que aqui hão de ficar, aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a Santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa Santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar"(2). Nota do Autor

Ele vira, assim, na cristianização a possibilidade de amansar o indígena, de destruir sua cultura, dissolver sua vida, para integrá-lo nos processos europeus. Esta é, talvez, uma das mais penetrantes observações feitas por Caminha nos sete dias que passou em Vera Cruz. Realmente, a solução do conflito entre o povo primitivo e o europeu vai ser realizada primeiro pelo desmoronamento econômico do indígena e depois pela obra

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