Uma comunidade rural do Brasil antigo. Aspectos da vida patriarcal no sertão da Bahia nos séculos XVIII e XIX

Joões, nomes próprios por excelência, é bem possível que Miguel descendesse de cristãos-novos, dos judeus conversos que abundaram em toda a península ibérica. Pois a verdade é que grande parte da burguesia portuguesa daqueles tempos ou descendia ou estava ligada, pelos laços de sangue, aos cristãos-novos. E a circunstância de haver Miguel possuído um título de um tribunal que se dedicou principalmente à perseguição dos judeus, não invalida a hipótese - hipótese, entenda-se bem - de sua ascendência judaica, pois que o ouro tudo podia, e até mesmo limpar o sangue dos "marranos", da gente de "infeta nação".

Ouro, foi o que não faltou a Miguel Lourenço. Não que tivesse herdado. Foi à custa de seu esforço que amealhou fortuna. Ele negociou, foi "homem de negócio", capitalista de dinheiro a juro e intermediário de transações. Foi também, então no Brasil, serventuário do "Tribunal dos Ausentes", incumbido de arrecadar custas, das quais deduzia as "contagens" de sua comissão. Por um antigo livro de notas, manuscrito, cuidadosamente conservado pelos descendentes, sabe-se que em 1742 estava Miguel residindo na vila da Barra, povoado do sertão de Rodelas, naquele tempo sob a suserania do capitão-general de Pernambuco. Nessa vila, e até janeiro de 1743, foi o "contador" de todos os processos. judiciais referentes aos defuntos e ausentes, havendo registrado, no citado livro de notas, o movimento do cartório, desde o momento em que recebeu o cargo de seu antecessor, até a data em que remeteu para Recife o dinheiro que arrecadou de custas e do qual descontou a sua parte, ou "contagem".

Supõe-se que da vila da Barra haja Miguel regressado a Lisboa, onde, em setembro de 1743, requereu habilitação para obter o título de "Familiar do Santo Ofício". Declarou-se, então, "homem de negócio", residente em Lisboa. Estava rico. Nessa ocasião, pretendia ele permanecer na Metrópole, porquanto conseguiu, em setembro de 1744, tornar-se Familiar do Santo Ofício, designado para a cidade de Lisboa.

Na capital do Reino, Miguel Lourenço residiu por algum tempo. Quanto, não se sabe. Já em 1755 se encontrava novamente instalado no Brasil, senhor de grande gleba, transformado, de funcionário do Tribunal da Inquisição, em fazendeiro e criador. Convertera-se em proprietário da fazenda do Campo Seco.

Situadas no "sertão e distrito da vila do Rio de Contas", capitania da Bahia, as terras do Campo Seco pertenceram à antiga e imensa sesmaria atribuída a Antônio Guedes de Brito, "regente do São Francisco" e ancestral dos condes da Ponte, de grande casa latifundiária. Ocupando a margem direita do Rio São Francisco, estendia-se a sesmaria, do Morro do Chapéu, na Bahia, às nascentes do lendário rio das Velhas, nas Minas Gerais.

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