Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio

do adequado aos seus desejos, como num conto de fadas que só os adultos percebem. O casal Batista: "Para ela, o baile da ilha era um fato político, era o baile do ministério, uma festa liberal, que podia abrir ao marido as portas de alguma presidência. Via-se já com a família imperial. Ouvia a princesa:

- Como vai, D. Cláudia?

- Perfeitamente bem, Sereníssima senhora.

"E Batista conversaria com o imperador, a um canto, diante dos olhos invejosos que tentariam ouvir o diálogo, à força de os fitarem de longe. O marido é que... Contava lá ir, mas não se acharia a gosto; pode ser que traduzissem esse ato por meia conversão. Não é que só fossem liberais ao baile, também iriam conservadores, e aqui cabia bem o aforismo de D. Cláudia que não é preciso ter as mesmas ideias para dançar a mesma quadrilha" (I, 935). Natividade, a mulher do banqueiro e barão de Santos, via outro baile, a reprodução deste, em homenagem aos filhos, que teriam grandes destinos: "Pedro bem podia inaugurar, como ministro, o século XX e o terceiro reinado. Natividade imaginava outro e maior baile naquela mesma ilha. Compunha a ornamentação, via as pessoas e as danças, toda uma festa magna que entraria na história. Também ela ali estaria, sentada a um canto, sem se lhe dar do peso dos anos, uma vez que visse a grandeza e a prosperidade dos filhos" (I, 936). E a jovem e encantadora Flora, que pensaria ela? "Via, ouvia, sorria, esquecia-se do resto para se meter consigo. Também invejava a princesa imperial, que viria a ser imperatriz um dia, com o absoluto poder de despedir ministros e damas, visitas e requerentes, e ficar só, no mais recôndito do paço, fartando-se de contemplação ou de música. Era assim que Flora definia o ofício de governar. Tais ideias passavam e tornavam. De uma vez, alguém lhe disse, como para lhe dar força: "Toda alma livre é imperatriz" (I, 937).

Ao casamento de Rubião o imperador não compareceu; compareceu a sombra da sociedade imperial, emanação do trono, em presença invisível. "Convidados de primeira ordem, generais, diplomatas, senadores, um ou dois ministros, muitas sumidades do comércio; e as damas, as grandes damas? Rubião nomeava-as de cabeça; via-as entrar, ele no alto da escada de um palácio, com o olhar perdido por aquele tapete abaixo elas atravessando o saguão, subindo os degraus com os seus sapatinhos de cetim, breves e leves, - a princípio, poucas depois mais, e ainda mais. Carruagens após carruagens... Lá

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