Um pouco do mundo pré-capitalista de Molière, sem o extremado desdém das camadas fidalgas para com os que sentem o fascínio do dinheiro, "um pudor - como escrevia Nabuco -, um resguardo em questões de lucro, próprio das classes que não traficam".(4) Nota do Autor Um diretor de banco tem dois encontros, no espaço de uma hora, com um ministro de Estado e com um comerciante. São dois quadros da pressão hierárquica, em que um se desforra do outro, copiando atitudes e gestos para orientar a própria conduta. O diretor de banco "fora primeiro à casa de um ministro de Estado, tratar do requerimento de um irmão. O ministro, que acabara de jantar, fumava calado e pacífico. O diretor expôs atrapalhadamente o negócio, tornando atrás, saltando adiante, ligando e desligando as frases. Mal sentado, para não perder a linha do respeito, trazia na boca um sorriso constante e venerador: curvava-se, pedia desculpas. O ministro fez algumas perguntas; ele, animado, deu respostas longas, extremamente longas, e acabou entregando um memorial. Depois ergueu-se, agradeceu, apertou a mão ao ministro, este acompanhou-o até a varanda. Aí fez o diretor duas cortesias uma em cheio, antes de descer a escada -, outra em vão, já embaixo, no jardim; em vez do ministro, viu só a porta de vidro fosco, e na varanda, pendente do teto, o lampião de gás. Enterrou o chapéu e saiu. Saiu humilhado, vexado de si mesmo. Não era o negócio que o afligia, mas os cumprimentos que fez, as desculpas que pediu, as atitudes subalternas, um rosário de atos sem proveito. Foi assim que chegou à casa do Palha.
"Em dez minutos, tinha a alma espanada e restituída a si mesma, tais foram as mesuras do dono da casa, os apoiados de cabeça, um raio de sorriso perene, não contendo oferecimentos de chá e charutos. O diretor fez-se então severo, superior, frio, poucas palavras; chegou a arregaçar com desdém a venta esquerda, a propósito de uma ideia do Palha, que a recolheu logo, concordando que era absurda. Copiou do ministro o gesto lento. Saindo, não foram dele as cortesias, mas do dono da casa.
"Estava outro, quando chegou à rua; daí o andar sossegado e satisfeito, o espraiar da alma devolvida a si própria, e a indiferença com que recebeu o embate de Rubião. Lá se ia a memória de seus rapapés; agora o que ele rumina saborosamente são os rapapés de Cristiano Palha" (I, 638).