Relações hierárquicas pesam sobre a classe, que mede tudo pela situação econômica, entrevendo um mundo de grandeza, de glória. Damião Cubas, o fundador da dinastia dos Cubas, saiu da mediania no século XVIII. Tanoeiro, expandiu as suas atividades na lavoura, "plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas, até que morreu, deixando grosso cabedal a um filho, o licenciado Brás Cubas" (I, 417). Era necessário, para dourar a família, buscar outra origem, que não cheirasse à tanoaria e apenas às patacas.(5) Nota do Autor Daí o duplo expediente do pai de Brás Cubas para fugir ao fabricante de cubas. Primeiro, deslocou a origem dos Cubas para o licenciado Luís Cubas, que "primou no Estado e foi um dos amigos particulares do vice-rei conde da Cunha" (I, 417); segundo, atribuiu o apelido Cubas a uma jornada da Africa, onde um cavaleiro teria arrebatado trezentas cubas aos mouros. Burguesia insegura de sua força e de seus poderes, nobilita-se e se afidalga por todos os meios, pela imaginação, falsificação ou imitação. Sob esta sombra, cresceu o constrangido acatamento a uma aristocracia, sem raízes e sem tradição. Burguesia mascarada de nobreza, incerta de suas posses, indefinida no estilo de vida.
Neste quadro dourado penetram os homens de nascimento humilde por duas portas: a cunhagem e o enriquecimento. Na cunhagem, o recém-vindo sofre o mesmo processo que o metal ao se amoedar, recebendo a marca e as insígnias do círculo que o aceita. No enriquecimento, a subida, também filha da ambição, deixa um travo de insuficiência e pecado. Aqui, o dinheiro, que alça, eleva e doura, não dá tudo; transmite, ao contrário, o sentimento de que houve o escamoteio de quem "fura" a entrada, sem ser convidado. Invariavelmente, em todas as personagens de Machado de Assis, a história de sua ascensão traduz o sentimento de que alguma coisa falta para completar-lhes a carreira. Daí, em simetria, as resistências ao dinheiro, que se justifica na vetusta origem social, para vencer o abismo dos casamentos desiguais, por um ou outro fundamento. "Tenho - diz um impugnante aristocrático - um nome que, se se não recomenda por uma linha de avós preclaros, todavia pertence a um homem que mereceu a confiança do rei dos tempos coloniais e foi tratado sempre com distinção pelos fidalgos do seu tempo" (Contos esquecidos, p. 228).