Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio

uma posição, da humildade, mas o ritual, na verdade pouco rígido, não seria flexível. Havia a necessidade de um título de instrução superior, reputação profissional ou o brilho no jornalismo. Ajudava um título de comendador ou cavalheiro, uma patente da Guarda Nacional ou um título de nobreza. Ajudava é pouco: seria recomendação valiosa, trunfo quase certo para entrar no jogo. Para quem já tem o renome feito é possível fazer até milagres: "1860! Quem não se lembra da célebre eleição desse ano, em que Otaviano, Saldanha e Ottoni derribaram as portas da Câmara dos Deputados à força da pena e da palavra? O lencinho branco de Ottoni era a bandeira dessa rebelião, que pôs na linha dos suplentes de eleitores os mais ilustres chefes conservadores..." (III, 677). O poeta ou o escritor, pobres de outras qualificações, não têm ingresso nessa comunidade que dirige o Estado e distribui migalhas de poder aos famintos. Murat, derrotado nas eleições, inspira algumas reflexões de Machado acerca dos homens de letras, que a política repele, não os aceitando no seu grêmio: "Poetas entram (na Câmara), com a condição de deixar a poesia. Votar ou poetar. Vota-se em prosa, qualquer que seja, prosa simples, ruim prosa, boa prosa, bela prosa, magnífica prosa, e até sem prosa nenhuma, como o Sr. Dias Carneiro, para citar um nome. Os versos, quem os fez, distribui-os pelos parentes e amigos e faz uma cruz às musas. Alencar (e era dos audazes) tinha um drama no prelo, quando foi nomeado ministro. Começou mandando suspender a publicação; depois fê-lo publicar sem nome de autor. E note-se que o drama era em prosa..." (III, 528). Já causava escândalo a citação de Molière na Câmara, perpetrada por Lafayette. Taunay, em vésperas de eleições, cuida das músicas do padre José Maurício, lembrando os nomes de Haydn e Mozart (III, 465). A imprudência lhe comprometeria os sufrágios de seu eleitorado de Santa Catarina. "Já tinhas a enxaqueca literária e as belas páginas de Inocência, e como se isso não bastasse, pões cá para fora a tua sabença musical. Taunay, Taunay, amigo Taunay, deixa as coisas de arte onde elas estão, achadas ou perdidas; muda da fraseologia, atira-te aos cachorros, pombos, leões, todo esse vocabulário, que só aparentemente dá ares de aldeia, mas encerra grandes e profundas ideias. Já estudaste o coronel? Estuda o coronel, Taunay. Estuda também o major, e não os estudes só, ama-os, cultiva-os. Que és tu mesmo, senão um major, forrado de um artista? Descose o forro, et ambula.

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