esquecer que a França de Luís Filipe, do "rei cidadão", se chamou com razão a "monarquia burguesa", e mais não seria necessário para situá-la no polo oposto ao do Império sul-americano que, além de não ter conhecido uma revolução, também não comportava o que se poderia chamar uma burguesia.
Um dos distintivos de nossa Guarda Nacional de 1831, pode-se dizer desde já, está nisto que, apesar de deparar aqui com uma sociedade eminentemente inigualitária, nasce sob o signo da democracia numa época em que essa palavra, "democracia", e o que ela significa, não tinha entre nós bom conceito. Um tribuno liberal como Teófilo Ottoni, que pertencia então aos "exaltados", ao dizer-se afinal um democrata se sente no dever de explicar que a sua é uma "democracia da classe média, democracia da gravata lavada". O escandaloso na organização de nossa milícia cívica está em que se fez questão de agregar em suas fileiras, numa promiscuidade destoante dos costumes nacionais, o "fidalgo" ao lado do tendeiro e, mais ainda, em admitir que um ex-escravo pudesse ser comandante de seu antigo senhor. Sabe-se que a ocorrência desses casos de subordinação de pessoas livres e bem-nascidas a libertos por elas mesmas alforriados será motivo alegado mais tarde para reformá-la, o que se dará especialmente a partir de 1850, quando o ministério conservador Olinda-Monte Alegre estabelece em definitivo a competência exclusiva do poder central para a escolha dos oficiais que, de início tinha caráter eletivo, e que inaugura verdadeiramente a Guarda Nacional eleitoreira das últimas décadas da monarquia.
Essa reforma corresponde bem à mentalidade dos chamados "regressistas", a mesma mentalidade que havia levado à supressão da eleição popular dos juízes de paz. E quando se tenha em conta que o sistema de 1831 entrava em choque com hábitos fundamente arraigados, é forçoso convir em que semelhante reforma não podia ser evitada. Menos fácil de explicar é a situação que anteriormente se introduzira. A admissão de libertos na Guarda Nacional tem correspondente no disposto na carta constitucional, onde os libertos podem ter acesso às urnas nas eleições primárias, o que não obrigava todavia ao convívio diuturno de pessoas de diferentes estratos sociais como acontecia na nova milícia. Era preciso, em todo caso, que os votantes pertencessem à massa dos "cidadãos ativos", e é certamente discutível a explicação dada de que o limite mínimo de renda exigido para um indivíduo ser qualificado desse a medida justa de sua independência, embora publicistas como Justiniano José da Rocha o julgassem tão baixo