que excluía apenas mendigos e vadios. Seja como for essa nualificação pela renda era sensivelmente menos discriminatória do que a célebre definição de "cidadão ativo" oferecida por Sieyès e, sobretudo, do que o sistema censitário francês da Charte da Restauração, em que largamente se inspiraram os constitucionalistas de 1824, e que a monarquia de Luís Filipe não alterou senão superficialmente. Mantinha-se nesta a exclusão da massa popular, dando realce ímpar à burguesia pecuniosa, ou seja, a uma verdadeira aristocracia burguesa.
Não quer isto dizer que a carta brasileira de 24 - o nome de Constituição só lhe coube de fato depois que a legislatura eleita para o Ato Adicional tacitamente a endossou - se inspirasse em sentimentos mais democráticos ou fosse mais apta para a construção de uma democracia. Os juristas que a elaboraram tiveram consciência do difícil problema de assegurar a legitimidade do sistema político e, em suma, da própria independência nacional, fazendo apelo aos privilégios derivados da linhagem, quer dizer, da nobreza chamada natural, que era inconsistente no país, ou de uma burguesia triunfal, que era inexistente. Uma e outra coisa requeriam, para formar-se, tempo de sobra e tempo a perder não havia. Mais fácil, na aparência, seria mostrar que o regime tinha a seu favor a vontade popular expressa em um número apreciável de sufrágios. Era preciso, entretanto, retirar do nada, ou do quase nada, os eleitores e elegíveis e, para tanto, recorreu-se principalmente a uma farta distribuição de empregos públicos. O empregado público passava a ser, aqui, um correlativo, em vários sentidos, do que, em outros países, se chamou burguesia. Na França de Luís Filipe, segundo mostrou Adéline Daumard em seu admirável estudo sobre o burguês parisiense no século XIX, os representantes da burguesia sabiam-se burgueses, viviam como burgueses, reagiam como burgueses, consideravam-se burgueses e como tais eram julgados por toda a sociedade. No Brasil as mesmas coisas podiam dizer-se dos funcionários nomeados pelo executivo, dado que dentre eles é que saíam quase necessariamente as notabilidades políticas, e para que não fosse inexpressivo o seu número, convinha alargar a capacidade de voto e não restringi-la como aconteceu na França.
O resultado é que, não só os responsáveis pela direção dos negócios públicos, mas também os que se presumiam representantes do povo se constituíam em clientes naturais dos cofres do Estado, e muitos são os casos de câmaras de deputados totalmente formadas