A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850

de empregados do Estado. Instala-se assim na monarquia brasileira, desde o início, um sistema sui generis em que, para salvar-se a fachada parlamentarista, o governo há de depender, ao menos teoricamente, da vontade dos representantes da nação, mas onde os representantes da nação vão depender por sua vez da vontade do governo. A câmara eletiva, principalmente, torna-se verdadeiramente um corpo de fiscais fiscalizados, e nenhuma das tentativas posteriores de reforma eleitoral corrige ou sequer procura corrigir o círculo vicioso. Passado mais de meio século depois da outorga de nossa carta política, um governo liberal pretenderá abolir a distinção aparentemente discriminatória entre os participantes das eleições primárias ou paroquiais e os que a lei capacitava para escolherem deputados gerais, senadores e membros das assembleias de províncias, quer dizer, para recorrer à terminologia então corrente, entre votantes (ou votantes de eleitores) e eleitores propriamente ditos. Era de supor que, elevados à condição de eleitores os votantes de antigamente, estaria naturalmente eliminada uma clivagem odiosa. Contudo, a lei Saraiva de 1881 procurou alcançar o pleito direto de modo mais complicado, como seja o de elevar o nível de renda requerido para o acesso às urnas, e sujeitá-lo, além disso, a uma comprovação difícil, quando não impossível. Não é de admirar depois disso quando, já à véspera da República, uma publicação de propaganda do Brasil e de suas instituições, organizada para a Exposição Universal de Paris, em 1889, anuncia aos quatro ventos, como quem canta vitória, que a grande monarquia sul-americana conta com um dos menores corpos eleitorais do mundo.

A verdade é que, segundo opinião largamente difundida na época e que sem dúvida presidiu a elaboração da lei Saraiva, impunha-se a formação de um eleitorado suficientemente seleto para poder distinguir o bom do mau candidato e isso naturalmente requer luzes que estão fora do alcance da grande maioria. E como nunca se descobriu o modo bom de medir tais luzes, resolveu-se a quadratura do círculo decretando que uma das condições preliminares a exigir de um eleitor está no saber este ler e escrever. Ora, essa condição não figurava na constituição do Império, e quando a sugeriu um ministério anterior que, por esse motivo, entre outros, propôs-se efetuar a reforma através de uma constituinte, ainda que com poderes muito limitados, sem o que o regime sofreria talvez um sério abalo, levantou-se uma oposição que contribuiu de certo modo para a queda do gabinete. Argumentaram os opositores, entre outras coisas, alegando que os maiores

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