A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850

pelo argumento ainda hoje repisado - da falta de preparo de indivíduos não-brancos para o exercício da liberdade.

Como instituição, foi a Guarda Nacional provavelmente a primeira no Brasil a reunir pretos, brancos e pardos, identificados ilegalmente pela condição comum de cidadãos eleitores. A milícia, como corporação cívica e paramilitar, permitiu, pelo princípio eletivo do oficialato, uma quebra ousada e revolucionária dos postos de liderança. Pretos e mulatos, no seu esforço de integração, numa sociedade que, juridicamente, se fundamentava na igualdade, paradoxalmente aplicada num país escravocrata, tentaram situar-se na nova Nação que haviam ajudado a erguer e a ela adaptar-se. A adesão da população mestiça ao movimento nativista na luta contra o luso expressava também um descontentamento, ocasionado pela competição econômica de trabalhadores estrangeiros, melhor qualificados e de prestígio assegurado por sua condição de europeu. Jornais da Guarda Nacional e da "imprensa mulata" lutaram juntos na defesa de interesses comuns: do guarda nacional trabalhador, mestiço ou preto. A qualificação na Guarda Nacional e o sistema eletivo para os postos de oficiais desencadearam a batalha da integração, não por parte de espectadores intelectualizados, mas de gente que vivia e sentia o problema.

A qualificação na Guarda Nacional era uma forma de reivindicação e luta, durante, o tempo em que pretos ingênuos ou libertos podiam ser até oficiais, chefiando inclusive antigos senhores. Proporcionou a instituição e fermentação de um igualitarismo étnico e social. A reação do grupo branco minoritário teve de aguardar para impor-se de forma legal e sob o disfarce de pretextos completamente diversos. O medo de uma ruptura daquela estrutura social de classes, orientou a reação, traduzida em reformas da Lei de 1831, efetuadas pelas legislaturas provinciais e sem que o problema fosse abordado abertamente.

A unanimidade das críticas ao sistema eletivo da Guarda Nacional e a aceitação das reformas provinciais que o substituíram pela nomeação governamental, neutralizaram a luta reivindicadora. Mas o sucesso de tais reformas pode também ser atribuído a uma mudança do modo de luta do grupo não-branco, traduzido por uma atitude de acomodação na aceitação do ideal de "branqueamento".

Essa primeira fase da existência da Guarda Nacional mostra aspectos do problema da população de cor, ainda pouco conhecidos, embora rico de sugestões. A participação na Guarda Nacional

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