Eça de Queirós, agitador no Brasil

"julgamo-nos no direito de lhes fazer - o que faziam os lazzaroni aos tiranos que lhes davam pau e pão - pô-los em cantigas. E não seria menos estranho ainda que os Srs. pernambucanos se irritassem com as nossas páginas sobre o seu imperador - que são delicadas e imperceptíveis ironias, onde há respeito - eles que escrevem, sobre o nosso rei, páginas que são pesadas e torpes como sebo derretido.

Essa província está bárbara, Sr. presidente. Esse ódio comercial a uma colônia, manifestado por agressões e pancadas, não se vê na anarquia das repúblicas espanholas que orlam o golfo do México, não se vê já na instintiva e rude Califórnia, não se vê já no centro d'Africa, nas regiões negras de Ujiji. É necessário que a inteligência, o espírito, a consciência estejam muito afogadas na bestialidade nativa e sertaneja - para que se decidam questões comerciais - à faca. Teria que ver os Srs. brasileiros depois de serem célebres pela sua ridícula bonomia aspirarem a serem gloriosos pela sua ensangüentada ferocidade. E se eles, fartos de verem caricaturar os seus colêtes, de um amarelo de canário, querem mostrar-nos, enfim, colêtes avermelhados de sangue.

Seja como for, Sr. presidente, o que é verdade é que Pernambuco está passando aos olhos portuguêses, sob a influência dos jornais - como uma cidade bárbara, sem inteligência, sem polícia, disputando sacos d'arroz à faca, e inteiramente entregue aos hábitos do sertão.

Entendemos, e é o fim desta carta - que v. excia. deve dar um desmentido radical - a esta opinião que se forma e que se solidifica. De outro modo, exmo. sr., julgaremos que há verdade no que se diz de Pernambuco e de seus costumes - e então, vendo que nada fez a Pernambuco a civilização que há três séculos lhe mandamos, e que o Brasil recaiu na selvageria de então, julgaremos dever recomeçar pacientemente a nossa obra, e tornar a mandar Pedro Álvares Cabral, para tornar a descobrir o Brasil.

Aceite, Sr. presidente, os protestos da nossa estima e não nos esfaqueie, sr. - e não nos esfaqueie!"

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