Jean-Baptiste Debret

lhes tinham sido preparadas, uma no Beco da Calçada, bairro das Laranjeiras, outra na Pedreira da Glória, junto da terceira vizinha nos baixos do Outeiro, precaução ditada pela falta de acomodações no Rio de Janeiro, onde somente naquela altura terminara o regime das aposentadorias, consistente na requisição de residências para os componentes da corte e mais pessoas providas de cargos do séquito real. O costume existia de há muito no reino, praticado por ocasião da ida de militares para qualquer guarnição, ou cortejo de Príncipes quando, momentaneamente, se mudavam de Lisboa para Salvaterra ou Vila Viçosa, onde não havia aposentos para tanta gente, peregrinação semelhante - no dizer de um inglês ao êxodo de ciganos em busca de novo habitat. No Brasil durou o encargo por oito anos, estoicamente suportado pelo carioca embevecido com a elevação da cidade capital do império lusitano.

No mesmo dia foi ter Lebreton com o influente ministro conde da Barca, o qual pôs à sua disposição um intérprete, sargento do exército que aprendera francês na guerra peninsular, para valer aos missionários enquanto se familiarizavam com o meio. Receberam também ração da régia ucharia, servida em casa, composta de "maçãs, cereais, cerveja, vinhos do Porto e Madeira", segundo menciona correspondência de periódico alemão. Recebeu mais Lebreton - designado naquele jornal como "capitão dos sábios" uma carruagem para melhor se haver em cidade desconhecida, que lhe devia lembrar a mesma regalia gozada em Paris no regime revolucionário, com grande escândalo dos "ortodoxos" gênero David descontentes ao apreciar espetáculo pouco digno da austeridade exigida pela demagogia republicana. Na alfândega - a terrível repartição, fonte de exações no Rio de Janeiro - foi facilitado o desembaraço das bagagens dos missionários, mais moinhos, máquinas e ferramentas dos mecânicos e quadros adquiridos por Lebreton em Paris, a fim de servirem de inspiração para os alunos do projetado instituto disseminador do gosto e prática das belas-artes do Rio de Janeiro.

Dias depois foram os artistas recebidos em audiência pelo Rei, muito disposto a favor da missão, apesar dos pendores artísticos de S. M. quase se limitarem à música, como singularmente sucede através dos tempos com os Braganças, apaixonados por concertos em que, não raro, participavam como instrumentistas. Era reconfortante a atitude da corte nessas condições, porquanto demonstrava não haver prevenção contra indivíduos de nacionalidade francesa a despeito da proximidade da guerra, bálsamo para os temores de Lebreton, apreensivo de que sucedesse com os companheiros

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