Jean-Baptiste Debret

(próxima do Paço), cujas paredes no ano da chegada dos missionários mandara o pintor mulato José Leandro de Carvalho e o dourador português Antônio da Conceição Portugal ornar e dourar ajudados por duzentos (assim se dizia) ajudantes e artífices, os quais "receberam grandes salários, excelente tratamento, tendo até bons refrescos durante o dia", trazidos da vizinha régia ucharia. Segundo um inglês a música ali tocada era admirável; estranhava, porém, uma cabeça de sarraceno, muito bem esculpida, colocada junto ao órgão, que, em dado momento, arregalava os olhos e torcia a boca quando se procedia no altar à elevação, "which infidels must feel in such occasion". Viera o instrumento musical de Lisboa, com o organista Antônio José, que se tornou grande amigo do padre José Maurício. Ensinou-lhe a tocar nos três teclados e vários registros, razão ao depois de muitas obras-primas do compositor carioca. A tal carranca, que funcionava em certas notas graves ad libitum do instrumentista, contudo, não era o único motivo de escândalo do inglês. No fundo do altar estendia-se painel de José Leandro a representar a família real orante, rodeada pelos símbolos da realeza, tido pelo mercador como imagem demasiadamente servil, afrontosa a brasileiros. Escrevia em 1816 e, por estranho pareça, continha o reparo algum fundamento, pois, dizia-se a respeito, que um dos primeiros atos de nacionalistas durante os acontecimentos da Independência consistiu em mandar Debret cobrir com outras pinturas as figuras reais. Tendo-se recusado o francês em profanar a obra do colega, ainda vivo no Rio de Janeiro, recorreram a um pinta-monos, o qual borrou com um monte onde havia personagens. Ajunta a tradição que tanto se ressentiu Leandro do ultraje, que não tardou a morrer de melancolia.

Residia, porém, no movimento das ruas o principal espetáculo do Rio de Janeiro joanino. Todo o centro comercial era agitado pelos carregadores pretos, quase nus, enfeitados com as mais inesperadas manifestações de indumentária, logo anotadas pelo francês. Restos de fardas de cores vivas, trapos da mais variada procedência, plumas espetadas na gaforinha e assim por diante, ornavam atletas dignos de inspirar o cinzel de escultor antigo, asseveravam ingleses familiarizados com esportes. Esses trabalhadores, isolados ou em conjunto, transportavam a mercadoria desembaraçada na terrível alfândega do Reino Unido luso. Pianos, peças de carruagens, pesados móveis, caixas de vinho, etc., seguiam em carretas ou suspensas em banguês carregados por quatro, seis, oito antigos guerreiros africanos, suficientemente robustos para resistir

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