Jean-Baptiste Debret

à travessia do oceano em navio negreiro. No serviço cantavam melopeia destinada a animar o esforço e avisar carruagens da sua presença. Atrás deles sobrevinham quitandeiras e cozinheiras ambulantes para alimentá-los, além de toda sorte de "vendideiros" de igual jaez. O resultado era formar-se nas ruas colorida, odorante (o suor preto acre perceptível a longa distância) e rumorosa multidão, onde também figuravam inúmeros mulatos a percorrer infinita escala de matizes, desde o pardo até o fiambre e o "disfarçado".

Era o regalo do pintor, absorto em tomar notas do que via da manhã à noite, para mais tarde reproduzi-las em quadros. Encontraria nas andanças o centro comercial de luxo por completo afrancesado. Ao passo que a rua Direita e vizinhas afluentes eram monopolizadas pelos mercadores lusos e grandes firmas britânicas, a rua do Ouvidor resplandecia de lojas parisienses, ou que se diziam tais, monopolizadoras da moda e da elegância, exibidoras dos últimos modelos em Paris aparecidos. Debret pensaria encontrar-se em rua parisiense ao passar naquele setor carioca com aspecto das boutiques do Palais Royal ou "rue Vivienne", compreendido da Igreja de Santa Cruz dos Militares ao largo de São Francisco. Ia além o francesismo visível em muitos mais terrenos. Nas altas esferas eram raros os personagens que não soubessem francês, o mesmo repetido com suas famílias, mormente na classe superior local então em pleno crescimento. O costume, além dos portugueses, era praticado com maior entusiasmo pelos brasileiros, apreciadores do que viesse da França, fossem vinhos, atavios ou ideias políticas, coisas bastante vizinhas por estranho pareça, a concorrer para o mesmo resultado. Os pais liam, outrora, às escondidas Voltaire e Rousseau. Os filhos, agora absortos em avizinhar-se do poder, acompanhavam os compte rendus da Câmara dos Deputados, a Introuvable de Luís XVIII, que desejavam reproduzida do outro lado do Atlântico.

Grande parte dos imigrantes franceses dessa altura, chegados em consequência das pazes, em nada se parecia com émigrés a serviço de Portugal, escapos do Terror Vermelho, que tinham acompanhado a corte ao Brasil. Eram produto de outros tempos, com ideias, atitudes, costumes e modos de viver diversos. Professavam em maioria ardente bonapartismo, símbolo das liberdades conquistadas pela Revolução, confirmadas pelo Império, que as escoimara de excessos e transformara governos e sociedade. Os missionários apresentavam indícios dessa evolução, acentuada tanto

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