Ensaio sobre as construções navais indígenas do Brasil

Vi um grande canoão assim crivado e perdido sendo novo de um só ano e de uma só viagem; não serviu mais que meter-lhe o machado para o fogo. Outras vezes alguns paus, ou areia em que topam, lhes metem para dentro algum torno, dos muitos que levam nos buracos, que assim dissemos lhes fazem antes de os escavacarem; e sem se advertir quase de repente se enchem de água, e vão ao fundo: Outras vezes ficam suspensas em algum pau na baixa-mar, e se partem pelo meio caindo a popa para uma banda, e a proa para outra: E se lhe fica de baixo alguma aguma pedra, lhe mete um tal rombo para dentro, que fica perdida. Enfim tem grandes perigos.

5. º Inconveniente é o necessitar de tantos paus uma tal canoa: já eu disse, que falsamente se chamam Embarcações de um só, porque na verdade necessitam de muitos, e grandes paus: extrai-se muita madeira para fazer uma só canoa; eu bem sei que este seria só por si fraco inconveniente no Amazonas, por abundar tanto nele, e nas suas matas a madeira; mas ainda que esta seja muita, e esteja a escolha, sempre custa a cortar, e a conduzir, e a serrar; de sorte que chamando-se Embarcações de um só pau inteiriças, necessitam de muitos mais paus, do que as Embarcações ordinárias: um pau para fazer o casco; outros dous paus para tirar as duas cavernas; outros dous para os dous talabardoens; e todos esses são paus grandes: 4 paus famosos para construir as duas bochecas, e as duas conchas da Proa: sem falar nos muitos outros paus para dormentes, bancos, mastros, e mais requisitos.

E por ventura são estas embarcações mais fortes, e duráveis, que as ordinárias? Antes muito mais fracas e consumptíveis: Vê se a sua fraqueza, em que posta em terra uma destas grandes canoas, com uma mão, com que se pegue na proa se faz tremular toda de popa e proa; como se fosse de engonços, ou se estivesse desconjuntada;