pés. Percebemos, então, um serpenteado, distinguindo-se de todos os rastros de animais, tanto da onça ou capivara como das aves, que são traçados em linha reta, quando não se curvam de propósito.
Para dar ideia de determinada parte dos arredores do rio em certa época do ano, descrevo a seguir uma marcha feita em junho de 1935, até Tampiitaua. O ponto de partida, situado na margem esquerda do rio, cerca de uma légua a montante de São Domingos, tinha sido chamado Porto Salvação pelo missionário escocês F. C. Kegel, designação essa que, em 1947, encontrei mudada pelos sertanejos para o nome deste meu companheiro, isto é, Porto Frederico. Iniciamos a marcha às três e meia da tarde, carregando às costas o necessário para as refeições e o pernoite. Fomos a passo rápido com que os sertanejos da região costumam fazer grandes caminhadas, percorrendo terreno plano e sem obstáculos cerca de cinco quilômetros por hora. Passamos por campo cerrado, livre de alagados, onde se erguiam árvores de estatura média, afastadas, às vezes, dezenas de metros umas das outras. Após quase três horas de marcha, chegamos ao Lago Tucunaré, assim chamado pela sua riqueza em peixes desse nome, que atraíam os índios tapirapé todos os anos para esse lugar. Ao tempo da nossa passagem, o Lago Tucunaré era um córrego manso e não muito raso. Tivemos de atravessá-lo com água até a cintura. Dizem que na época das chuvas comunica-se com o Tapirapé. Está cercado de árvores e cheio delas por dentro. Na margem que alcançamos vadeando, havia um lugar onde aqueles índios costumavam armar suas redes para dormir. Serviu-nos também para pernoitar. Mosquito em quantidade. Mas a praga principal deste dia, a despeito de termos intencionalmente iniciado bem ao cair da tarde a caminhada, foi o calor.
Partimos na manhã seguinte às seis e meia. Tudo estava molhado de orvalho. Patinávamos por um campo de terra negra, úmida e escorregadia ("sabão"). Vimos rastos de onça. Alcançamos, às oito horas, uma faixa de mato inundado que tivemos de passar a vau. Depois de mais dez minutos de marcha, repetiu-se o mesmo. Às dez horas entramos num pouso tradicional dos tapirapé situado num bosquete com água fresca. Lá ficamos descansando até às quatro horas da tarde. Continuamos a marcha, vadeando por campo pantanoso. Às cinco e meia chegamos a um cerrado seco onde pudemos pernoitar. Antes de adormecer ouvimos frequentes roncos de onça.
Acordamos, ao amanhecer, com as roupas completamente molhadas pelo orvalho. Partimos às seis. Depois de meia hora perdemo-nos num extenso e pantanoso buritizal. Às sete horas entramos num cerrado seco e, às nove horas e um quarto, na grande mata. No primeiro quarto de hora de marcha o solo desta mata estava mais ou menos seco, tornando-se, depois, completamente alagado. Andamos durante uma hora e meia na água, que, em vários lugares, tinha correnteza. Às 11 e meia encontramos mandioca-puba num córrego. Atravessamos, depois, roças separadas umas das outras, por faixas de mata. Um quarto antes de uma hora saudamos quatro rapazes tapirapé, e meia hora mais tarde, sempre andando pela imensa floresta, avistamos no meio dela a aldeia destes índios.