XVI
Estado de saúde
A pouca duração da vida do índio tapirapé foi demonstrada ao tratarmos da demografia (cap. V). A que atribuí-la? As perdas culturais, manifestas, especialmente, na mitologia e organização social, não pareciam ter afetado a alegria de viver. Mesmo quando uma nuvem de angústia vinha ameaçá-la, não tardava o reaparecimento de rostos risonhos.
A índole pacífica não excluía a coragem. Yves d'Évreux (21) escreve a respeito dos tupinambá: "Et combien qu'ils soient naturellemet peureux & craintifs, si est-ce que quäd ils sont eschauffez au combat, ils demeurent fermes iusques à ce qu'ils n'ayent plus d'armes, & lors ils se seruet des dents et des ongles contre leurs ennemis".
Mutatis mutandis, esta descrição era, em 1935, aplicável aos tapirapé nos encontros com a onça, a maior fera da região. Mas em 1947, por ocasião do ataque dos caiapó, surgiram naquela tribo também exemplos de valor guerreiro. Valentim Gomes, funcionário do Serviço de Proteção aos Índios, escreveu-me que, então, Tanupanchoa-Kamanané, o homem mais velho da aldeia, tinha nela permanecido com mulheres e crianças, enquanto todos os outros habitantes masculinos estavam numa excursão de pescaria. Resistiu este ancião tapirapé "até ao momento em que os assaltantes atearam fogo por meio de flechas inflamadas na casa que o capitão havia entrincheirado. Obrigaram assim o heroico defensor partir do incêndio, forçado atravessar o pátio do arraial cercado; ali ainda desfechou golpes mortais, mas vencido pelo número, conseguiu no entanto escapar" (carta de 10.11.47). Esta façanha não foi a única. Informaram-me que Panchaí-Vuatanamy, quando soube do ocorrido, empreendeu sozinho a perseguição contra os inimigos, fazendo longas caminhadas até ter sido atingido por um tiro na perna.
Aliás, as jornadas de 40 a 50 quilômetros pela mata e pelo campo que os tapirapé costumavam fazer em companhia de mulheres e crianças sem que alguém se cansasse demasiadamente, como também as noitadas dançantes desta tribo, são provas de força vital.
A pouca duração da sua vida, apesar dessa boa disposição psicossomática, deve ter resultado, essencialmente, da própria cultura tapirapé e isso já antes do contato pernicioso com os brancos, embora as doenças trazidas por estes tenham aumentado a mortalidade. As causas culturais do rápido desgaste são múltiplas: a maneira de dormir, de comer,