Tapirapé - tribo tupi no Brasil Central

de tratar feridas e enfermidades, de defender-se contra o mau tempo, a imundície e os insetos. Não cheguei a perceber se e em que medida atuam nesse sentido também as aflições produzidas pelas ameaças de espíritos e tribos hostis, por intrigas dentro do grupo local e por brigas conjugais.

Dormir para o tapirapé era ficar encolhido na pequena rede que mal dava para um e tinha de aguentar dois: cônjuge ou filho. O foguinho embaixo dessa gente nua, fazendo-lhes as vezes do cobertor, alternadamente se animava um pouco e amortecia. Sua fumaça não conseguia afugentar os mosquitos, mas tornava ainda menos respirável o ar viciado por gases, arrotos e urina naquele trançado fechado que era a casa. Em toda parte gemidos dos que sofriam com os movimentos do parceiro da rede, com as picadas dos insetos, com a repentina sensação de frio ou calor produzida pela irregularidade do aquecimento.

Comer para o tapirapé era meter as mãos não lavadas na panela comum ou levar o peixe assado diretamente da brasa para a boca. Engoliam comida e bebida (cauí) em estado muito quente, só raramente sentindo necessidade de resfriá-las pelo sopro.

Tratar dermatose para o tapirapé era aproximar a parte pruriginosa do corpo, o mais possível, do fogo. Homens, mulheres e crianças colocavam, então, as nádegas dolorosamente perto das labaredas. O paciente referia-se à sua doença dizendo, com o possessivo da primeira pessoa: che-pirahyva. Stradelli (286) dá "Pelle-Pirera"; Montoya (2 I 409): "Pellejo, Mbí: Pí"; (ib. II 271v): "Piraí, lepra". A dermatose que, em 1935, observei e, também, peguei, apresentava, como a urticária, elevações da pele (fot. 10) que não continham líquido purulento, mas provocavam forte comichão e sensação de febre. Distinguia-se desta doença que, geralmente, dura algumas horas ou poucos dias, por durar duas semanas em mim e meses nos tapirapé. Aliás, atacava todos com exceção dos meus companheiros rev. Kegel e Daniel que não dormiam como eu com os índios na aldeia e cuja pele não estava sendo tão frequentemente apalpada por eles como a minha. Quando nesta surgiram os primeiros sinais da dermatose, chamei-os de picadas de pulgas, pois, como a erupção da urticária, eram parecidos com estas. É que considerei a grande possibilidade de índios responsabilizarem o visitante pelo surto duma doença que ele apanha entre eles ou, pelo menos, detestarem o forasteiro contagiado. Assim, os tapirapé, ao descobrirem, por ocasião do banho, novas manchas vermelhas na minha pele branca, falavam cortesmente em pulga.

Entre os índios, a dermatose chegava a cobrir o corpo inteiro. Quanto a mim, ela apareceu, primeiro, nos antebraços e em ambos os lados do pescoço, passou de lá para o peito e baixo ventre, e de lá espalhou-se para os lados internos dos braços inteiros onde permaneceu mais tempo. Ao transpirar, o prurido se tornava tão insuportável que calafrios corriam sobre o corpo. Os índios pareciam ter sensação semelhante, pois coçando-se gemendo diziam: che ray, "eu frio" - (Montoya 2 I 285: "Roi";(*) Nota do Revisor Stradelli 215: "Roîn") - expressão que costumavam usar, também, no ataque de malária. Eles tinham abscessos (hova) com crostas purulentas,

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