em tocá-la com os dedos negros de jenipapo, etc. Outro ainda tem necessidade de agarrar minha orelha, estranhando que o lóbulo não seja furado. Querem examinar tudo, o revólver também. Enquanto descarrego a arma para poder entregá-la, o meu chapéu cria asas e inicia longa migração de cabeça em cabeça. Muitos falam, todos riem e olham constantemente para mim, cheios de alegria. Meu companheiro Kegel não chama tanta atenção, pois todos já o conhecem de visitas anteriores. Também o nosso camarada Daniel desperta menos interesse, pois a pele deste nordestino tem quase a mesma tonalidade castanha da dos índios, e sua estatura é baixa, ao passo que o ideal entre eles é ser alto e branco.
Levam-nos, agora, de uma casa para outra, e o chefe de cada uma nos oferece tanta comida que logo me parece impossível poder comer mais, mas, apesar disso, o dever de honrar a hospitalidade obriga-me a continuar ingerindo bananas aquecidas ou frias, grandes e pequenas, amendoim frio e quente, farinha crua e torrada, mingau mastigado de amendoim, milho ou mandioca (cauí), abóbora assada ou cozida, sementes de abóbora torradas, inhame e cará cozidos ou torrados, grandes favas verdes cozidas, sopa de mandioca quente com pequenas pimentas verdes e galinha, cana-de-açúcar, caroços de tucu crus e torrados, peixe moqueado com caldo de mandioca.
Quando tomo banho no córrego vizinho, todo mundo está presente: crianças, mulheres e homens estudam criticamente as partes agora despidas do meu corpo e trocam opiniões a respeito. São sem-cerimônia em tudo. Enquanto me lavo uma jovem mulher se acocora perto de mim e urina na presença de todos. Um homem faz o mesmo na mesma posição agachada. As mulheres gostam de me passar o seu dedo estendido ao redor do antebraço para medir a circunferência. Os rapazes se interessam pelos músculos entre o ombro e o cotovelo. Observam todos os meus movimentos. Cada vez que me levanto e não digo para onde pretendo ir, perguntam. Quando digo que vou evacuar, só as crianças me acompanham até atrás dos arbustos, a fim de defender-me dos cães, mas olham menos para estes do que para mim. Ao regressar para o grupo dos adultos, uma mulher constata delicadamente: Defecaste. Quando entro na grande casa onde vou dormir, outra mulher diz: Chegaste. É a casa-dos-homens, onde minha rede está armada. Estou cansadíssimo, mas até meia-noite me rodeiam os índios. Um rapaz quer deitar-se comigo na minha rede. Uma jovem mãe com uma criança em um dos seios e um cãozinho noutro, senta-se ao meu lado num tronco de árvore, segura minha mão, acaricia-a muito suavemente e me fala baixinho bem perto do ouvido; não entendo as palavras, mas sinto sua doçura. A grande sensação são os meus fósforos: de repente, não há mais ninguém que não tenha de acender alguma coisa. Depois cheiram o fósforo queimado como costumam cheirar tudo que é estranho, e acham ruim, o que demonstram, acintosamente, cuspindo. Mais excitante ainda é a lanterna elétrica: todos têm de experimentá-la e de súbito um necessita dela para ir para trás dos arbustos. E enquanto mosquitos (tanchió) e mosquitinhos (ií) me picam, aparecem sempre novos interlocutores que repetem as mesmas perguntas: o meu nome, o nome de minha mulher, dos meus filhos, o tamanho deles e outros pormenores".