Tapirapé - tribo tupi no Brasil Central

Sendo o pai da pequena doente, alimenta-se só com cauí de milho e farinha de mandioca. A mãe devia comportar-se da mesma forma, mas raras vezes durante o dia e nunca durante a noite estava ao lado da filha. Mulher leviana, vivia dando gargalhadas à toa. Nem sequer valia como dona de casa. Pois quando Kamairá me convida a comer peixinhos cozidos, ela não os abre para mim a fim de tirar as espinhas, como outras esposas de anfitriões costumam fazer.

Deitado, ouvi prantos. Receei que a criança tivesse morrido. Kamairahó pulou da rede e iniciou o tratamento xamânico da menina, soprando-lhe fumaça. Inferi disso que ela ainda vivia. Mas na casa inteira continuava o pesadelo que desde o dia anterior, a todos oprimia. Quando, à noite, eu entrara para dormir, ninguém me cumprimentara. Agora, ao romper o sol, as mulheres, que costumavam olhar para mim, sorrindo dizendo alguma palavra amável, faziam como se eu não existisse. De vez em quando ouvia-se um violento discurso, em voz abafada, através do choro dos que rodeavam a criança. Percebi que Kamairahó, acocorado diante da rede da paciente, estendeu o braço na minha direção murmurando alguma coisa. Maäyma tirava de vez em quando as mãos do rosto e, interrompendo os soluços fazia comentários, aparentemente impetuosos, à meia voz. A matronal Ipayva (106) aproximou-se, a certa altura, da minha rede, e deteve-se por um instante; era a única pessoa que olhava para mim, calada, sem sorrir, com uma expressão estranhamente diabólica. Não duvidei: achava-me em maus lençóis. Ocorriam-me exemplos de outras tribos tupi, onde até os mais tímidos ficavam loucos de raiva com a morte de um filho, atribuindo a causa mágica à presença do estranho, e não hesitando em eliminá-la. Para salvar as aparências, permaneci, ainda por algum tempo, deitado na rede. Mais tarde, ao encontrar Kamairahó fora da casa, ofereci-lhe um punhado de fumo de corda, alegando a necessidade que ele teria disso diante da sobrecarga de serviço que lhe cabia, naquela ocasião, como pajé. Falei-lhe também do prazo para a minha partida. Logo a seguir ele entrou em casa, e sua voz se fez ouvir de lá de dentro. Retornou acompanhado de vários homens, de mulheres e crianças. Notei que me encaravam alegremente, chamando-me de doloí. O dia decorreu bem, e todo mundo me tratava como se nunca a terrível nuvem negra tivesse pairado sobre nós. A menina doente parecia um pouco melhor. Até o coitado do pai se mostrava atingido pela onda de simpatia por mim e se aproximou, ao anoitecer, da minha rede para me perguntar, em voz baixa e chorosa, se eu estava com sono.

Não menos drasticamente pode mudar o comportamento em relação ao forasteiro quando ele próprio adoece. O meu companheiro Frederico Kegel ficou várias vezes tão enfermo de disenteria e malária que tinha de permanecer na rede. Procuramos ocultar aos índios o seu estado, alegando tratar-se de mero cansaço. Mas eles nos cercavam constantemente, não escapando à sua observação o nosso menor movimento. Perceberam logo que o reverendo se abstinha de comer e só tomava remédio. "Akuám", "eu sei", disse Kamairahó com ar misterioso. Vuatanamy referiu-se diretamente a uma fase da febre intermitente, perguntando: "Pederiko

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