assim também as indagações sobre os brancos e sua cultura pareciam destinadas, até certo ponto, a entreter amavelmente o visitante. Curiosidade indiscreta encontrei só em rapazolas, se não se quer considerar como indício dela o prazer com que as mulheres observavam o banho do reverendo escocês e de seu companheiro a fim de dedicar-se calmamente à falologia comparativa. Anavaní (137), aliás Antônio, de cerca de 17 anos e morador da takana, andava quase sempre excitado com a ideia de descobrir segredos, espionando, por exemplo, os casais que procuravam esconder-se no mato. Distinguia-se nisso dos da sua idade e não era dos mais inteligentes, como também não o são os maçantes que, entre nós, desrespeitam nosso desejo de solidão. ("O papel do tolo é ser importuno", já o disse La Bruyère.) Sem dúvida, a impossibilidade de ter vida privada torna-se desagradável. às vezes até aos nascidos num ambiente comunitário como o dos tapirapé. Não só os amantes procuravam isolar-se, mas também um ou outro indivíduo: Kamairahó, por exemplo, se retirava, frequentemente, para a casa de Kegel, quando lá não estava ninguém. Queria, então, ficar longe dos seus. Provavelmente, também de mim, pois a curiosidade do pesquisador contrastava com qualquer espécie de curiosidade indígena pela intensidade, fazendo com que as vítimas, depois de meia hora, bocejassem ruidosamente, e obrigando-as, então, a deitar-se na rede para um longo descanso. Compreendi, assim, que, enquanto estivesse fazendo pesquisa nunca me poderia elevar ao nível da cortesia tapirapé.
Esta se fez sentir, mais ainda, por ocasião da minha chegada a Tampiitaua, dez anos depois. Eis um trecho do meu diário: "19.7.47. Às dez encontramos moço tapirapé com arco e flecha que nos guia em direção da aldeia através do córrego e roças. Avisa nossa aproximação com os habituais gritos em falsete. Meia hora depois avistamos as casas. São ainda oito. Mas Tampiitaua mudou de lugar para mais longe do rio. Está agora ao pé de um morro. Também para buscar água a distância aumentou, sendo o córrego, neste ponto, pequeno demais para tomar banho. Não sou conhecido nem pelo guia, nem por outro moço que encontramos perto da aldeia. Nesta avistamos algumas mulheres e três homens. Ninguém me conhece. Dois dos homens são de Chichutaua, mas o terceiro é Antônio Pereira que devia lembrar-se de mim. Nada! Dizem que todos os outros estão na roça ou pescando no córrego, só Airuvitynga, a viúva de Urukumy, teria ficado em casa. Mostram-me a casa. Entro e encontro, deitada na rede, uma moribunda. Mas ela, só ela me reconhece. Pelo menos tenho esta impressão quando me passa muito levemente e só uma vez, uma única vez, a mão descarnada sobre o meu braço nu. Reconheci nela a atraente mulher cuja rede, na casa de Kamairahó, confinava com a minha, e que me roubava o azeite para passá-lo vaidosamente na longa cabeleira. Como se havia transformado, aquela radiante ferazinha em uma velhota tão suave! Somente o fino perfil lembrava, ainda, os encantos passados.
Haroldo, meu companheiro médico, constatou logo broncopneumonia. Não tínhamos meios de ajudá-la. De medicamentos só levávamos antídotos para as cobras. Talvez ela, com aquele gesto, me tenha saudado como salvador. Protetor de triste figura, dou-lhe algumas balas de mel.