Tapirapé - tribo tupi no Brasil Central

Para ser exato, quero acrescentar, porém, que já em 1935, ele não era obedecido, no mesmo grau, por todos os habitantes daquela aldeia dificilmente acessível, havendo, até, uma exceção total da regra na pessoa de Iravuy (85:29a). Este, então, como ainda 12 anos depois, formava com Maräampí (92:26a) o casal mais unido e mais carinhoso do grupo local. Iravuy se distinguia por nunca me pedir coisa alguma e por estar sempre disposto a dar com calma e escrupulosidade todas as informações que eu queria, instruindo-me também espontaneamente e não se cansando em corrigir os meus erros ao falar tapirapé. Um belo dia, em 1935, regressou do mato com um ramalhete de flores na mão e, vendo a menina Ampitania em frente da casa de Kamairahó, deu-lho e ela o prendeu no cabelo. Para mim, Iravuy era em 1935 e continuava sendo em 1947 o homem mais simpático da aldeia. Mas apesar de me introduzir hospitaleiramente na cultura da sua tribo, foi o único que nunca me agasalhou em casa oferecendo-me assento e comida. Quando nos reencontramos por ocasião da minha segunda visita a Tampiitaua, Iravuy estava sentado na rede, abraçando sua mulher. Entreolharam-se meigamente, ela lhe deu uma batidinha nas costas, ele se curvou, rindo. Ao me aproximar, ela tentou levantar-se a fim de me dar lugar na rede, mas Iravuy e eu, simultaneamente, a fizemos entender que ficasse sentada. Para o etnopsicólogo é digno de nota, pois, o fato de um homem aparentemente equilibrado se desviar tanto de um dos mais importantes padrões de comportamento da cultura na qual parece bem integrado.

Somente em 1947 pude verificar em sua plenitude a existência de um traço do complexo cultural formado em torno da pessoa que chega de fora, traço cujo correspondente impressionou os visitantes europeus dos tupinambá e foi encontrado, também, entre os carajá e caiapó: a chamada saudação lacrimosa. Em 1935, mal eu tinha partido da aldeia e andado um pouco pela mata adentro, Maninohó (111) e sua mulher Pauyngó (108) vieram correndo atrás de mim e, depois de me alcançarem, seguiram-me de perto sem dizer palavra. Após algum tempo, pararam, proferiram, ainda, algumas palavras amigáveis e voltaram. Enquanto me afastava na direção oposta, ouvi Pauyngó arrebentar em prantos. Tal choro na despedida lembra o momento em que Hans Staden (a 4, f 1) deixou os tupinambá: uma das índias chorou e o alemão também. Staden escreve "beschreien" e "ich schrey", o que significa que ambos levantaram a voz; aliás, também Pauyngó fez ouvir bem alto a sua. O autor quinhentista diz da mulher tupinambá: "muste mich beschreien nach jrer gewonheyt/ vn ich schrey auch nach jrem gebrauch", prova evidente de ter-se tratado de um padrão de comportamento tribal, pois "muste", "devia", indica a obrigação, sendo que "nach jrer gewonheyt" e "nach jrem gebrauch" podemos traduzir com "segundo o seu costume", "segundo o seu uso".

O que os outros cronistas relataram a respeito da saudação lacrimosa realizou-se, porém, não na despedida, mas na recepção. Bem explícito é Fernão Cardim (308-309): "E cousa não somente nova, mas de grande espanto, ver o modo que têm em agasalhar os hóspedes, os quais agasalham chorando por um modo estranho, e a cousa passa desta maneira.

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