Tapirapé - tribo tupi no Brasil Central

Entrando-lhe algum amigo, parente ou parenta pela porta, se é homem logo se vai deitar em uma rede sem falar palavra, as parentas também sem falar o cercam, deitando-lhe os cabelos sobre o rosto, e os braços ao pescoço, lhe tocam com a mão em alguma parte do seu corpo, como joelhos, ombro, pescoço, etc. Estando deste modo tendo-o no meio cercado, começam de lhe fazer a festa (que é a maior e de maior honra que lhe podem fazer): choram tantas lágrimas a seus pés, correndo-lhe em fio, como se lhe morrera o marido, mãe ou pai; e juntamente dizem em trova de repente todos os trabalhos que no caminho poderia padecer tal hóspede, e o que elas padeceram em sua ausência... Acabada a festa e recebimento alimpam as lágrimas com as mãos e cabelos, ficando tão alegres e serenas como que se nunca choraram, e depois se saudam com o seu Ereiupe e comem ..."

Comparando esta descrição do jesuíta português com a acima reproduzida do meu diário de 1947, vemos a semelhança do comportamento entre tupinambá e tapirapé. Também eu tinha de me sentar na rede, Maräromyó me tocou com a mão, verteu muitas lágrimas e, com aquela voz chorosa que levaria Cardim a dizer "em trova", falou na morte do marido e no que ela padecera na minha ausência: acabado o pranto, limpou as lágrimas com a mão, ficando tão alegre e serena como se nunca tivesse chorado, saudou-me com a palavra para "chegaste" e deu-me de comer.

Convém lembrar que, em 1935, eu, então um desconhecido, não tinha sido recebido desta maneira. Agora, porém, chegava como velho amigo e, quem sabe, considerado uma espécie de parente. Também o citado texto de Cardim diz claramente: "Entrando-lhe algum amigo, parente". Logo é de se supor que a saudação lacrimosa entre os tapirapé, como entre os tupinambá, não se destinava a pessoas completamente estranhas.

Lemos no referido texto que foram, entre os tupinambá, "as parentas" que, chorando, agasalharam o hóspede. Também entre os tapirapé foram mulheres que, na minha partida e segunda chegada, romperam em prantos. A saudação lacrimosa, segundo as fontes (cf. Métraux 3 180), é iniciada, geralmente, pelas mulheres e respondida pela pessoa que chega (Léry 284 e 285; Soares de Sousa 382). Apontando as exceções, Cardim (172) escreve: "Também os homens se choram uns aos outros, mas é em casos alguns graves, como mortes, desastres de guerras, etc."

O mesmo autor (ib. 339) relata dos tupinambá outra espécie de recepção cerimonial chamado por Métraux (3 187 e 188) de "saudação agressiva", a qual consiste em acolher o hóspede com demonstrações de hostilidade que, no fundo, não são outra coisa senão expressões de cortesia. Enquanto esta cerimônia, aliás com analogias em outras tribos sul-americanas (ibidem), é prática do rude guerreiro que, fora da aldeia, vai ao encontro do estrangeiro a fim de tomar conta dele trazendo-o para dentro do seu domínio, a saudação lacrimosa, com todos os seus toques melancólicos e suaves, pertence essencialmente à esfera feminina. Óbvio é que aquela fingida bravata não podia ter similar entre gente tão pacata como a de Tampiitaua.

No seu estudo sobre a distribuição geográfica da saudação lacrimosa na América do Sul, Métraux (3 180-187) chega à conclusão de que "cette coutume est répandue exclusivement a l'orient des Andes. Elle est propre surtout aux Tupi et aux Indiens appartenant à la couche de civilisation la plus primitive de ce continent (cf. carte 1). Les Tupi ont certainement contribué à sa diffusion. Peut-être se rattache-t-elle au culte des

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