Já Gabriel Soares de Sousa (379) escreve com referência aos tupinambá: "As fêmeas destes gentios são muito afeiçoadas a criar cachorros para os maridos levarem à caça, e quando elas vão fora levam-nos às costas". Com não menos cuidados, as mulheres de Tampiitaua tratavam os filhotes dos cães, amamentando-os pessoalmente ou passando comida mastigada diretamente de sua própria boca para a boca do cãozinho, como também índias de outras regiões do Brasil (cf., por exemplo, Schultz 3 22 e fig. 55) costumam alimentar a cria de diversos animais. Os 12 cachorros (chauvuana: cão, cadela) da aldeia tinham pelo curto, cor amarela puxando para o cinzento, orelhas grandes: eram esguios, de pernas compridas, um pouco mais altos do que o fox terrier, mas pertenciam ao tipo do galgo encontrado por Hans Krieg (2 figuras 175-178) entre tribos do Chaco. Em alguns, uma ou duas listas de pelos brancos atravessavam o focinho.
Faz parte da recepção tapirapé ao visitante armá-lo com um pau para que possa defender-se dos cães da aldeia que vão ao seu encontro latindo ferozmente e arreganhando os dentes. Essa ferocidade, porém, não era garantia de temeridade. Em 1935 topamos num campo, a duas horas de marcha do lago Tucunaré, com um casal de onças. O nosso camarada Daniel deu-lhes, inadvertidamente, um tiro de fuzil, fazendo-as fugir. Os índios Kamairá e Chapoko correram atrás delas, não levando outra arma a não ser o cacete e o arco. Seus dois cães, porém, acobardando-se, não ousaram acompanhá-los.
Os cães de Tampiitaua não tinham nada da inegável valentia daqueles dois tapirapé e nada da meiguice que predominava entre a gente da aldeia. No convívio com os índios, esses animais pareciam a resignação corporificada. Ora são acariciados, libertados de carrapichos e mesmo, embora excepcionalmente, regalados com petiscos; ora recebem um pontapé, seguido de arremesso de um pau. Parecem sempre conformados nas suas reações: não são nem de alegria expansiva perante o que é bom para eles, nem de raiva perante o que lhes é desagradável. É verdade que, em geral, são tratados com benevolência, embora a panela com comida lhes seja proibida a pauladas. Como os cães não recebem sustento regular, roubam. Se o conseguem, apressam-se a fugir. Ninguém os xinga em voz alta - o prejudicado apenas resmunga com indignação. A fome leva estes pobres ladrões a adotar um comportamento não-canino: ser frugívoros e trepadores. Um belo dia vi um deles, perto da aldeia, subir penosamente por um alto arbusto. Ao me aproximar para descobrir o motivo desse ato inusitado, já pulava ele de volta carregando na boca uma banana encontrada no esconderijo que alguém pensava seguro dos avanços dos quadrúpedes famintos, ou que lá estava para ser aquecida ao sol.
Por que será que o cão é um coitado esquelético em tantas tribos sul-americanas, quando os filhotes, quanto à alimentação, são tratados como os próprios bebês dos donos? Não será por que o "cachorro de índio", cujo aspecto nos penaliza, é na cultura indígena mais equiparado a seres humanos, tanto nas primeiras semanas da vida como no estado crescido no qual as pessoas adquirem o próprio sustento, do que os nossos cães em sua dependência econômica permanente e completa?