O Barão de Iguape; um empresário da época da Independência

A autora preferiu, em tais condições, o tratamento monográfico, e concentrou-se então sobre um tema isolado como o da tributação e comércio do gado que, não obstante sua importância para a vida econômica de São Paulo e do Brasil, ainda continua mal conhecido. Não creio, entretanto, que fosse preciso ultrapassar os limites dessa monografia para dar ideia da figura central da obra, do mecanismo de seus negócios e dos métodos de que se valeu para tornar mais produtiva uma atividade que, iniciada ainda na era colonial, se prolonga durante meio século e mais depois da Independência. Visto desse prisma, esse é, de qualquer modo, um esforço exemplar no gênero e é uma contribuição que estava fazendo falta para a melhor inteligência de certos aspectos da História do Brasil, frequentemente obscurecidos pela atenção absorvente que se tem dado a fenômenos, tais como "sociedade patriarcal", "feudalismo", lavoura latifundiária e pela obstinada cegueira diante da marca do capitalismo internacional que esteve presente na formação brasileira desde os inícios.

O barão de Iguape foi comerciante a vida toda e não quis ser outra coisa. Nem os poucos anos em que procurou fazer-se dono de engenho representam verdadeiramente um hiato em sua grande vocação, que foi a de homem de negócios. Vocação que tem um passado longo no Brasil, e que em Portugal os próprios reis não desprezaram. O historiador Charles R. Boxer, ao mostrar como o império português sempre foi essencialmente comercial e marítimo, apesar da capa militar e clerical, aponta, a propósito, para o pomposo título que escolheu D. Manuel — "Venturoso" para os súditos, simplesmente le Roi-Épicier para Francisco I —, título orgulhosamente mantido entre seus sucessores, mesmo quando deixa de ter qualquer significado: Senhor... do Comércio da Índia, Etiópia, Arábia, Pérsia... Parece-lhe difícil imaginar qualquer outro monarca europeu que mencionasse o comércio entre seus títulos. Poderia lembrar, ainda, como o Dante, com uma severidade bem entranhável em um filho de Florença, a terra clássica dos mercadores e banqueiros, não hesitou em meter no Inferno el-rei D. Diniz que di Portogallo que os portugueses chamam "Lavrador", porque, segundo explicava o Ottimo commento de Pietro Alighieri, seria muito dado a adquirir haveres e teria tratos de moeda com todos os financistas de seu Reino. Os historiadores, porém, não costumam ser tão implacáveis para com o filho de D. Afonso III.

Sérgio Buarque de Hollanda

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