À sombra de Rui Barbosa

Rui e Brites, dentro da mais dura austeridade. João Barbosa deixou uma escassa produção. As teses médicas (de doutoramento e de concurso), alguns discursos na Assembleia e na Câmara dos Deputados e uns poucos poemas. O mais conhecido, dedicou ao filho quando deixou a casa para começar os estudos de direito.

Era, por considerar-se um frustrado, um homem amargo. O filho teve pela sua memória um culto profundo. Não só herdou-lhe as dívidas, mas também os rancores políticos e as antipatias pessoais. Isto é um ponto fundamental para compreensão da vida de Rui Barbosa. Quando ele mais tarde, em discurso célebre, vai declarar-se mero sucessor do pai, como "a água que corre da água que já correu",(3) Nota do Autor está a exibir um dos traços mais profundos de sua psicologia. Ele não é somente o sucessor: é o vingador das frustrações paternas. Não entra na vida somente resgatando nos bancos baianos as letras paternas, mas disposto a suceder-lhe nos postos da batalha política em que ele estava empenhado: a luta pela difusão do ensino público, pela elevação da cultura e, acima de tudo, pelos ideais de liberdade que eram historicamente os de seu partido. Os ideais de Evaristo da Veiga (que ele escolhe para seu patrono na Academia), de Feijó, de Alves Branco, de Zacarias, de Saraiva e de Dantas, seu grande chefe e protetor. Era assim um expoente da classe média, que começava a formar-se nas cidades. Não tinha um palmo de terra, nem estava interessado em nenhum empreendimento comercial.

O anjo bom da infância de Rui Barbosa foi sua mãe, Maria Adélia Barbosa de Almeida, prima de João Barbosa, também descendente do sargento-mor. De seus irmãos, todos importantes, dois chegaram a ministros do Supremo Tribunal de Justiça e um recebeu o título de barão. João Barbosa não vivia em boas relações com os cunhados. Eram todos do Partido Liberal, mas de alas diferentes e rivais. Isto devia fazer sofrer Maria Adélia, de uma paciência e de uma persistência invejáveis. Não se abateu. Quando o marido passava aperturas financeiras - e foram tantas - ela apelava para o velho recurso das famílias brasileiras: pegava um precioso livro de receitas e iniciava a indústria caseira de doces. Assim o orçamento doméstico se equilibrava. Rui não assistiu a sua morte. Estava no Recife iniciando o curso jurídico.

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