À sombra de Rui Barbosa

de 1879, em defesa de certo modo escandalosa do diploma de um adversário político. João Mendes de Almeida, conservador, fora diplomado como eleito por São Paulo. Gavião Peixoto, liberal, contestava-lhe a eleição. Rui não tinha, nem longinquamente, qualquer ligação com o conservador, que além disso era representante pronunciado da ortodoxia católica. Mas não hesitou em apoiar o parecer, a favor de João Mendes. Seu discurso é um modelo de isenção. Gavião era concessionário de um engenho central. Pela lei era inelegível. Seus votos deveriam ser anulados. A Câmara, porém, unanimemente liberal, votou pelo reconhecimento de Gavião Peixoto por 59 votos contra 34. Com Rui votou a bancada baiana (menos dois). Na maioria, que degolou João Mendes, estavam José Bonifácio e Afonso Celso (Sênior).

A 17 de março pronuncia Rui um grande discurso. É a mais completa e solene justificação do domínio liberal. Todos os grandes mestres do parlamentarismo europeu são invocados. São cem páginas maciças do volume correspondente das Obras completas. Coube aos conservadores a vez de espernear. E não pouparam a Coroa. Foram, de certo modo, até mais desrespeitosos em linguagem do que os liberais de dez anos antes.

Com esses discursos conquistou Rui a fama de grande parlamentar. São ambos longos e repletos de erudição. Rui não os improvisava. Nem tampouco os decorava. Preparava-os, porém, minuciosamente. Elaborava um sumário, com os temas em ordem de exposição, com remissões a citações que trazia em pequenas laudas, copiadas de seu punho. A peroração, porém, era visivelmente decorada. Basta ver o sumário. Os assuntos estão enunciados pelos seus títulos. A peroração, porém, pela frase inicial. Deste modo ele não ficava desmontado pelos apartes infalíveis. Resolvida a dúvida, ou vencido o adversário, ele retomava metodicamente a exposição e chegava ao fim no meio do aplauso da assembleia. A imagem de Rui que registrou Afonso Celso Júnior, em suas recordações de parlamento, é impressionante:

"(...) assombrava como um fenômeno. Baixo, franzino, compleição mórbida, parecendo insusceptível do mais leve esforço e prestes a desfalecer, falava duas, três, quatro horas consecutivas, sem repousar, sem soluções de continuidade, [...] sem que um instante afrouxasse ou se empanasse o timbre de sua voz extensa e mordente [...] Prodigiosa máquina de falar admiravelmente! Nos pedaços mais agressivos, a mesma uniformidade, idêntica atitude. A voz, pouco rica de timbres, apenas aqui e ali, no cair dos dilatados e suntuosos períodos, tremulava adrede. [...]

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