Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII

sendo obrigatórias, também devem ter funcionado como pretexto de encontro e é possível que nelas se discutissem os assuntos mais prementes.

Numa associação de negros, em grande parte escravos, todos esses aspectos assumem grande importância. Afastado do convívio social, mantendo apenas contato com seus companheiros de trabalho, o preto tinha na confraria uma ocasião de encontrar escravos de diversos donos e habitantes de sítios distantes. De fato, na Irmandade do Tijuco a lista de irmãos assinala muitas vezes o local da moradia e podemos ver que participavam da associação habitantes dos mais variados pontos do arraial, bem como de lavras e roças, inclusive da Real Extração. Essa possibilidade de comunicação abre novas perspectivas aos escravos, proporcionando, mesmo que de modo indireto, a oportunidade de ação conjunta, visando à melhoria do grupo. Nesse aspecto é que se desenvolve o papel social da irmandade.

A confraria exercerá uma ação protetora, amparando seus membros, defendendo-os dos excessos do sistema escravocrata, embora não lhe fosse possível empreender uma ação direta e global sobre tal sistema. Preocupava-se em melhorar a sorte dos irmãos, sobretudo quando doentes ou sujeitos a um "mau senhor", exercendo uma assistência efetiva. A irmandade era uma organização aceita, protegida pela ação pessoal de reis e eclesiásticos, que proporcionava ao homem de cor um instrumento para enfrentar situações de injustiça e sofrimento. Não transformava e nem mesmo tentava pôr fim à escravidão, mas na medida de suas possibilidades procurava diminuir seus malefícios.

É difícil saber quais as oportunidades surgidas. Certamente teriam dependido das circunstâncias locais, da habilidade dos chefes da irmandade em aproveitar-se delas. No Distrito Diamantino, comparado a outras regiões brasileiras, as facilidades para o escravo são maiores, uma vez que o branco, frequentemente ocupado na prática do contrabando, tornava-se vulnerável, podendo ser denunciado pelo cativo, que assim tinha, por conseguinte, uma arma contra o senhor.

Mas o ser bem aceito socialmente, estar dentro da legalidade, apoiar-se na religião imposta pelo branco, cortava em certos aspectos as asas da irmandade, impedindo de exercer uma ação global ou de envergadura. Entretanto, teria ela conseguido sobreviver se não fosse bem aceita, não buscasse os padrões do homem branco?

Ao menos no decorrer do século XVIII parece ter sido esse o drama das confrarias do homem de cor no Distrito Diamantino: se por um lado levaram o negro a integrar-se na sociedade,

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