Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821)

pela passagem do século, tanto gabou o violeiro Caldas Barbosa nas ruas fluminenses. A grande maioria continuava geralmente pouco permeável às inovações e mudanças, pelo menos a mudanças intempestivas, tanto que era possível reconhecer pela vestimenta, de que não se desembaraçavam nem na Corte, a província de origem de tal ou qual indivíduo. Do príncipe D. Pedro dizia-se que, para disfarçar-se, saía vestido em grande capa, tal como as usavam os paulistas e tão bem conseguia enganar que, na noite e na estalagem onde veio a conhecer o Chalaça, um incauto, sem adivinhar com quem falava, provocou-o com uns versos que diziam:

"Paulista é pássaro bisnau

sem fé, nem coração..."

A grande capa podia ser um poncho, ou era um daqueles capotões em xadrez de lã com gola alta, que arrebitava para trás a larga aba dos infalíveis chapéus "de Braga", e eram mais próprios em S. Paulo de gente graúda. Tamanha foi a resistência a mudanças neste particular, que, ainda em 1844, ao introduzir certa personagem em uma de suas comédias de costumes cariocas, Martins Pena veste-o à paulista, isto é de botas brancas e "ponche de pano azul forrado de vermelho". A mesma indumentária, em suma, que aparece em velhos documentos iconográficos deixados por viajantes, como um homem de São Paulo em Debret, ou os soldados paulistas da Banda Oriental no álbum londrino de R. E. Vidal.

Mesmo a entrada em grandes quantidades de mercadorias estrangeiras, importadas sobretudo pelos atacadistas ingleses, que se estabeleceram no Rio de Janeiro a partir de 1808 e 1810, só afetaria até certo ponto o trem de vida das pessoas mais abastadas, visto que lhes deixava mais ampla margem de escolha. Em regra eram as mesmas mercadorias que, antes da vinda da Corte, já entravam no país por intermédio das firmas portuguesas, senão de contrabando, e não era pouco. Mas nessa fase expansiva da indústria e comércio britânicos, parece ter havido a preocupação de se fabricarem na própria Grã-Bretanha até artigos que, no Brasil, constituíam peculiaridades locais. Confiados tradicionalmente à mão de obra artesanal, já agora não se achavam em condições de competir com os similares importados. Assim é que, ao visitar o Rio Grande do Sul, se admirou Saint-Hilaire de que os ponchos gaúchos fossem agora made in England. Na Pauta das

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