PREFÁCIO
Com o presente volume, Maria Beatriz Nizza da Silva abre horizontes novos e a meu ver altamente sugestivos para boa inteligência da sociedade brasileira na etapa singularmente importante de sua formação, que principia no ano da chegada da Corte portuguesa e se estende até o ano do embarque de D. João VI e sua comitiva. É o período, aliás, a que se vem ultimamente devotando com atento zelo. Lembre-se, a propósito, o livro que lhe inspiraram as ideias e a personalidade de Silvestre Pinheiro Ferreira, o ministro do "rei velho" que tenta retê-lo no Brasil num momento em que quase todos, a começar pelo governo da Grã-Bretanha, que animara e protegera outrora seu estabelecimento no aquém-mar, pelejam por convencê-lo de que é urgente seu regresso a Lisboa: publicado em Portugal, este livro ainda não pôde ter entre nós a repercussão que certamente merece. Lembrem-se ainda seus dois trabalhos sobre a "Transmissão, conservação e difusão da cultura no Rio de Janeiro (1808-1821)" impressos em 1974 na benemérita Revista de História. E sua Análise de estratificação social (O Rio de Janeiro de 1808 a 1821), que ocupa todo o boletim n.° 7 (Nova série) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, saído em 1975.
Os estudos históricos e filosóficos a que a autora cedo se dedicou em Portugal, onde nasceu, e que apurou depois na Alemanha, na Inglaterra e sobretudo na França, em contacto assíduo e direto com algumas das correntes mais fecundas do pensamento contemporâneo, ainda que não bastem para explicar a originalidade de seu enfoque, habilitaram-na melhor para a eleição dessa área de nossa história. Porque o período que lhe corresponde, embora abranja, ao menos em grande parte, um processo que hoje se chamaria de descolonização, não é dirigido por brasileiros natos. Portugueses europeus são, além do soberano e todos os ministros de Estado, a grande maioria dos que compõem a burocracia local, quase todos os magistrados e praticamente toda a oficialidade militar