Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821)

parece, foi facilitado pelo aparecimento das primeiras mulheres balconistas e modistas, coisa nova que contrasta, e é claro que nem sempre desfavoravelmente, com os hábitos de uma sociedade onde prevalecia o sistema de reclusão quase mourisca do sexo chamado frágil. Mas até nos casos em que a confecção de vestimentas cabia a mãos francesas e femininas, os tecidos vinham não raro do comércio por atacado que, por muito tempo, foi quase um monopólio britânico, e de onde, pagos à vista, eram, depois de trabalhados, vendidos a prazo nas lojas da rua do Ouvidor, um quase monopólio francês. Em outros casos, no caso dos vinhos, vai ser mais difícil romper a crosta formada de antigas usanças, que recomendavam de preferência um vinho que podia ser do Douro ou da Estremadura, mas era chamado "de Lisboa"! Só muito aos poucos principiam a vender-se os de outras procedências, mormente do Mediterrâneo, e estes, quando franceses, são ditos de Cette, porque saem desse porto. E mesmo depois que o casamento de D. Pedro II com uma princesa de Nápoles pareceu favorecer, num primeiro momento, a possibilidade de maior disseminação de produtos da Itália meridional, a correspondência dos cônsules napolitanos no Rio está cheia de queixas sobre a pouca aceitação no Brasil dos vinhos pesados da Sicília devido à forte concorrência lusitana.

Queixas semelhantes aparecem na documentação dos representantes diplomáticos hanseatas, quando se referem aos obstáculos que se ofereciam à aceitação dos panos de linho da Silésia num mercado onde imperava o King Cotton. O contrário sucedia na América de língua espanhola, onde os tecidos ingleses de algodão ou mesclados de algodão esbarravam na preferência ancestral dada aos de linho puro, importados da Alemanha. É de notar que, no Brasil, a forte pressão do comércio britânico pareceu enlaçar-se nos interesses mercantis portugueses em tudo quanto não dissesse respeito ao tráfico negreiro. Em 1836, por exemplo, foi apresentado projeto, por onde os artigos importados de Portugal em navios brasileiros ou portugueses teriam reduzidos de um terço os direitos cobrados nas alfândegas do Império: isto é, pagariam apenas 10%, em vez dos 15% que incidiam sobre os dos demais países. Contra o tratamento discriminatório logo se ergueram franceses, principalmente, e norte-americanos, ao passo que a representação diplomática britânica guardou um silêncio que a muitos pareceu suspeito. Em verdade as reclamações dos demais países não se dirigiam tanto contra a discriminação em favor de Portugal e sim contra o fato de o tratado proposto não oferecer garantias suficientes de

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