mais "aberta" do que qualquer outra, a diferença entre o texto literário e o tratado jurídico ou o ensaio econômico é apenas de grau: todo texto possui um coeficiente de ambiguidade que leva a renovadas leituras.
O segundo preconceito relaciona-se com a valoração do quantificável, que para alguns historiadores é mesmo sinônimo de científico: "No limite - escreve Le Roy Ladurie em Le territoire de l'historien - (mas ainda é um limite muito longínquo, e que em certos casos está de tal modo fora do alcance das pesquisas atuais que talvez seja só imaginário) apenas existe história científica do quantificável." Assim sendo, a demografia histórica ou a história econômica aparecem como mais "científicas" do que a história da cultura, sendo preferidas por aqueles historiadores que ambicionam um lugar ao sol no atual sistema de classificação das ciências. Ora, a história da cultura pode e deve utilizar métodos quantitativos sempre que estes sejam aplicáveis. E na realidade já o faz. Existe hoje uma história religiosa serial, uma história da alfabetização que recorre a métodos quantitativos sofisticados, e uma história da produção e consumo do livro que se preocupa fundamentalmente com números. Simplesmente na análise de uma cultura o historiador depara com muitos aspectos que não são quantificáveis, mas que precisam de ser descritos juntamente com os mensuráveis. Esta situação, aliás, é a de qualquer historiador, qualquer que seja o seu domínio de pesquisa, e não apenas a do historiador da cultura.
Talvez nome de ideologismo seja o mais adequado para caracterizar o preconceito daqueles historiadores para quem fazer história da cultura significa muito simplesmente "desmascarar" a ideologia da classe dominante. Este reducionismo, infelizmente muito difundido, vê em qualquer prática cultural uma forma ideológica, e apenas isso. A cultura de uma dada sociedade é reduzida a uma superestrutura ideológica: ciências, formas literárias ou artísticas, doutrinas políticas ou jurídicas são analisadas apenas como formas de discurso da classe dominante. É evidente que este preconceito leva a desprezar relações mais amplas entre formas culturais e grupos sociais, a omitir a análise daquilo que se costuma designar por cultura popular, a esquecer o peso da tradição.
Outros preconceitos poderiam ainda ser apontados, mas estes três são os que vigoram com maior intensidade no domínio da história cultural ou na atitude dos demais historiadores em relação a esta área da pesquisa histórica.